Certa vez, eu estava no meu Facebook e um ateu resolveu me
cutucar. Aliás, a história de como eu tenho esse ateu no meu grupo de amigos daquela
rede social é muito engraçada, mas não vem ao caso agora. Então, voltando, ele
veio e fez um comentário em uma postagem feita por mim, que prontamente eu
respondi com toda boa vontade. Sendo que, logo, ele passou a me pressionar com
todas aquelas argumentações a respeito da inexistência de Deus e de como os
cristãos são tolos de acreditarem da Bíblia, em resumo, como gostam de fazer
todos os ateus. E conversa vai, conversa vem, ele chama um amigo seu pra
participar da conversa, que também era ateu, e em um desses momentos, eu disse
o seguinte: “...Sabe, pense no seguinte,
se você estiver certo e Deus não existir, então eu não terei perdido muita
coisa, apenas terei deixado de curtir as coisas dessa vida. Porém se eu estiver
certo e Ele existir, você terá perdido muita coisa, terá perdido a oportunidade
de viver uma eternidade com o Senhor...” Então ele respondeu, vocês crentes
são todos iguais, sempre se utilizam de respostas prontas, não sabem pensar por
si mesmos. E eu respondi, que não, esse era realmente meu pensamento, mas ele
disse que isso era a aposta de Pascal. A conversa prosseguiu, mas quando ele
viu que eu era meio duro na queda, acabou desistindo. E eu por minha vez fiquei
com aquilo na cabeça, e agora fiz uma pesquisa sobre o assunto e resolvi postar
aqui.
A aposta
Este argumento tem o formato que se
segue:
2
- se
você acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho infinito;
- se
você acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda finita;
- se
você não acredita em Deus e estiver certo, você terá um ganho finito;
- se
você não acredita em Deus e estiver errado, você terá uma perda infinita.
Incapacidade de acreditar
Pascal referenciou a dificuldade da
razão
posta para a crença genuína propondo que "agir como se acreditar"
pudesse "curar da descrença":
Mas ao menos reconheça sua incapacidade de acreditar,
já que a razão te trouxe a isto, e você não consegue acreditar. Esforce-se para
convencer a si mesmo, não através de mais provas de Deus, mas pela redução de
suas paixões. Você gostaria de ter fé, mas não sabe o caminho; você quer se
curar da descrença, e pede um remédio para isto. Aprenda com aqueles que
estiveram presos como você, e que agora apostam todas as suas posses. Existem
pessoas que sabem o caminho que você vai seguir, e que se curaram de todas as
doenças que você ainda será curado. Siga o caminho através do qual começamos;
agindo como se acreditasse, recebendo a água benta, assistindo missas, etc. Até
mesmo isto vai te fazer acreditar naturalmente, e acabar com sua resistência.
Pensées
Secão III nota 233, página 402 , Tradução por
Rafael S. T. Vieira
Pascal propõe que se siga um caminho que ele próprio já
teria passado, e que é possível se ter autêntica
fé
com o exercício da mesma.
Análise através da teoria da decisão
As possibilidades definidas pela aposta de Pascal podem ser
pensadas como uma
escolha em
indecisão com os valores da matriz de decisão seguinte:
|
Deus
existe (G)
|
Deus
não existe (~G)
|
Acreditar
(B)
|
+∞
(ganho infinito)
|
-1
(perda finita -- 1 vida)
|
Não
acreditar (~B)
|
−∞
(perda infinita)
|
+1
(ganho finito -- 1 vida)
|
Assumindo estes valores, a opção de viver como se Deus
existisse (B) domina a opção de viver como se Deus não existisse (~B), enquanto
alguém assumir a probabilidade positiva de que Deus exista. Em outras palavras,
o valor esperado de se escolher B é maior ou igual àquele de escolher ~B. A
perspectiva do ganho infinito é suficiente para Pascal fazer seu ponto, como
ele afirma:
...Mas existe aqui uma infinidade em uma vida
infinitamente feliz a se ganhar, uma chance de ganho contra um número finito de
chances de perda, e aquilo que você aposta é finito. Tudo é dividido; aonde
quer que esteja o infinito, não existe um número infinito de chances de perda
contra a chance de ganho, não há tempo para hesitar, você deve apostar tudo.
Pensées
Secão III nota 233, página 392 , Tradução por
Rafael S. T. Vieira
De fato, de acordo com teoria da decisão, o único valor que
importa na matriz acima é o +∞ (infinito não negativo). Qualquer matriz do
seguinte tipo (em que f
1, f
2, and f
3 são todos
números finitos positivos ou negativos) resultam em (B) ser a única escolha
racional.
1 . Jeff Jordan argumenta que a aposta
também pode ser reescrita como uma tabela de decisão sem considerar os valores
infinitos,
3 e segundo Edward McClenen existem, na
verdade, 4 versões diferentes para o argumento em Pensées
3 .
|
Deus
existe (G)
|
Deus
não existe (~G)
|
Crença
(B)
|
+∞
|
f1
|
Descrença
(~B)
|
f2
|
f3
|
Crítica
Existem tanto autores que defendam o argumento de Pascal e
considerem-no um argumento válido
4 3 5 , como existem autores que consideram-no
inválido
1 . Alguns dos argumentos mais comuns
usados contra a aposta de Pascal são:
Argumento do Apelo ao Medo
Alguns documentos na internet argumentam que é uma
falácia
do tipo
Argumentum ad metum (ou Argumento
pelo/do medo), uma vez que ela afirma que ao não se acreditar no Deus cristão,
a perda infinita implicaria ser severamente punido após a morte.
6
Embora popular na internet, o argumento é sem fundamento, pois Pascal prevê que
a decisão pela crença em Deus seja uma escolha baseada em chances e não
motivada pelo medo. O argumento de Pascal não tem como objetivo provar que Deus
existe ou não, mas convencer o descrente que é uma escolha razoável apostar na
sua existência. De fato, o uso do argumento do
Apelo ao Medo por
críticos apenas reforça a aposta de Pascal, já que este afirma em Pensées:
Os homens desprezam a religião; eles a odeiam, e temem
que ela seja verdade. Para remediar isto, nós devemos começar por mostrar que a
religião não é contrária a razão; que é venerável, para inspirar respeito a
ela; então devemos torná-la amável, para fazer com que bons homens esperem que
seja verdade. Finalmente, devemos provar que é verdade.
Pensées
Secão III nota 187 página 312 , Tradução por
Rafael S. T. Vieira
Segundo Jeff Jordan
7 todo o argumento de Pascal se estrutura
na forma de uma aposta, uma decisão tomada em um momento de indecisão. Ainda
segundo ele, Pascal assumia que uma pessoa, apenas pela virtude de estar neste
mundo, está em uma situação de aposta, e esta aposta envolve sua vida sobre a
existência ou não de Deus em um mundo em que Deus pode existir ou não.
Argumento do Custo
Outro argumento popular na internet contra o argumento de
Pascal, é do
Custo. A aposta tentaria nos levar a acreditar em Deus, com
o pressuposto que isto é muito vantajoso você estando certo e insignificante se
estiver errado. E o preço a pagar por
crer não é insignificante,
pois a pessoa pode precisar seguir
lideres religiosos, seguir
dogmas e
tradições, e contribuir financeiramente para manter a
religião.
E mesmo que uma pessoa não tenha religião, mas mantenha fé na existência de
algum deus, esta fé poderá ter consequências. Pode ser citado como exemplo o
caso de
Steve Jobs,
que era zen-budista e acreditava na ideia do pensamento mágico, e por isso,
segundo seu biógrafo,
8
tomou uma decisão errada em relação ao tratamento do seu câncer que levou a sua
morte.
9
(contudo, exite quem afirme que muitos boatos foram criados sobre sua morte, e
que ele recebia tratamento para sua doença
10
).
O custo, contudo, de viver-se acreditando em Deus já é
considerado na
aposta,
pois o objeto de aposta é a sua vida. Quando Pascal fala em custo zero em sua
aposta, ele se refere ao custo referente a felicidade (entre outros custos
específicos que ele cita e lida) na nota 233:
"E quanto a sua
felicidade? Vamos pesar o ganho e perca em apostar que Deus existe. Vamos
estimar essas possibilidades. Se você ganhar, você ganha tudo; se perder, você
não perde nada" E ao final de seu discurso na nota 233 ainda afirma:
-Agora, que danos podem cair sobre você ao escolher
seu lado?...eu argumentaria que você irá ganhar nesta vida, e que cada passo
nesta estrada, você terá cada vez mais certeza do ganho, e muito mais ainda do
vazio do que você aposta, que você irá ao menos reconhecer que você apostou por
algo certo e infinito, pelo qual você não precisou entregar nada.
Pensées
Secão III nota 233, página 40, Tradução por Rafael S. T. Vieira
Pode-ser perceber que em sua
aposta,
supõe-se que o ganho infinito de apostar em Deus supera qualquer custo que
possa existir em vida. Pascal ainda argumenta que quanto mais se dedica-se a
crer em Deus, menos você
enxerga valor nos objetos do mundo que são passageiros e portanto o custo se
torna insignificante.
Argumento dos Vários Deuses
Um dos argumentos usados contra Pascal é a objeção dos
Vários
Deuses, e implica que o argumento de Pascal usa da
falsa
dicotomia, quando reconhece a existência de apenas duas opções,
acreditar ou não no deus cristão — ignorando, porém, que existem milhares de
outros sistemas de crenças a serem considerados como existentes ou não. A
crença no deus errado, de acordo com a maioria das
religiões,
é punida da pior maneira possível, segundo as escrituras religiosas. Outro fato
que se considera, é a existência de "deuses não-documentados" com
propriedades bem diferentes do que as estipuladas pelas
Escrituras,
tambem: onipresença, onisciência, onipotência, benevolência etc. Portanto, as
chances de acertar, acreditando no Deus judaico-cristão como sendo o verdadeiro,
são muito menores do que o estipulado por
Blaise Pascal,
que é de 50%. Se devidamente calculado a probabilidade fica próximo a 0%.
Contudo, já foi defendido por Jeff Jordan que não há como
formular a objeção dos Vários Deuses de forma a realmente refutar o argumento
de Pascal
11 . Robert Peterson argui que esta objeção
quando colocada no contexto da Aposta de Pascal se torna vazia, pois considera
apenas 5 páginas de Pensées (com a aposta) e esquece o restante das quase 300
páginas do livro (o número de páginas varia de acordo com a tradução/edição),
em que Pascal defende apenas o Deus cristão e dedica um capítulo exclusivo para
falar da falsidade de outras religiões. Jeff Jordan ainda arguiu que ao se
atribuir uma probabilidade quase nula a todos os outros Deuses, a probabilidade
de existência de Deus continua sendo 50% e cita o caso do lançamento de uma
moeda
11 :
...Quando alguém lança uma moeda considerada justa, é
possível que ela aterrise em seu meio, continue suspensa no ar, desapareça, ou
qualquer outro evento bizarro aconteça. Ainda assim, como não há nenhuma razão
para acreditar que esses eventos são plausíveis, nós negligenciamos todas essas
possibilidades e consideramos apenas a chance da moeda aterrisar sobre o lado
da cara ou o lado da coroa
Jordan,
Jeff. “The Many-Gods Objection” in Gambling On God, Tradução por Rafael S. T.
Vieira
A aposta acaba por favorecer o deus com o maior
contraste entre o prêmio pela observância e a punição pela mera
descrença. O Deus cristão é favorecido em comparação com um Deus
alternativo, "não ciumento", para quem não seja importante que as
pessoas creiam nele, e sim que façam o bem e se privem de fazer o mal às outras
pessoas; ou em comparação com outro "mais justo", que não dê prêmios
ou punições infinitas, mas proporcionais ao bem e ao mal que se faça. Por outro
lado, se alguém vier a postular uma variante do Deus cristão que, por exemplo,
estenda o prêmio e/ou a punição também a pelo menos um descendente do indivíduo
avaliado, independentemente do desempenho deste, este será o Deus a
escolher de acordo com a lógica da aposta.
Argumento da Crença Desonesta
Alguns críticos argumentam que a aposta de Pascal pode ser
um argumento para a
Crença Desonesta. Além disso, seria absurdo pensar
que um Deus, justo e onisciente, não seria capaz de ver atrás da estratégia da
parte do "crente", portanto anulando os benefícios da aposta.
12
Já que essas críticas não estão preocupadas com a validade
da aposta em si, mas com o possível resultado -- uma pessoa que foi convencida
pelo argumento e que ainda não consiga acreditar sinceramente --, elas são
consideradas tangenciais ao argumento. Aquilo que estes críticos estão
questionando é tratado posteriormente por Pascal que oferece um conselho para o
descrente que concluiu que o único
método
racional é apostar na existência de Deus, já que apostar não o torna
um crente.
Outros críticos arguem que Pascal ignorou que o tipo de
caráter epistêmico de Deus certamente valorizaria mais criaturas racionais se
ele existisse. Mais especificamente,
Richard
Carrier apontou uma definição alternativa de Deus que prefere que
suas criaturas sejam pesquisadoras honestas e reprova os métodos da Crença
Desonesta:
Suponha que exista um Deus que está nos observando e
escolhendo que almas dos mortos deve trazer para o céu, e este Deus quer que
apenas aqueles que são moralmente bons habitem no céu. Ele provavelmente vai
selecionar somente aqueles que fizeram um esforço significante e responsável
para descobrir a verdade...Portanto, apenas estas pessoas podem ser
suficientemente morais e sinceras para merecer um lugar no paraíso — ao não
ser, que Deus deseje preencher o céu com os moralmente preguiçosos,
irresponsáveis ou desonestos.
The
End of Pascal's Wager: Only Nontheists Go to Heaven13
Como já foi exibido acima, em nenhum ponto da aposta Pascal
reforça a crença desonesta; Deus, sendo onisciente, não sucumbiria para um
truque e inocentemente recompensaria o enganador. Ao invés disso, depois de
estabelecer sua aposta, Pascal refere-se a uma pessoa hipotética que já pesou
racionalmente a crença em Deus através da aposta e está convencido da
possibilidade, mas ainda não conseguiu acreditar. De novo, como notado acima,
Pascal oferece uma maneira de escapar do sentimento que o compele a não crer em
Deus depois que a validade da aposta tenha sido firmada. Este
caminho
é através da disciplina espiritual, estudo e comunidade.
Em termos práticos, portanto, o cenário alternativo em que
Deus valoriza apenas a crença racional e dúvida honesta que é proposta por
Carrier e outros críticos não é realmente diferente do argumento de Pascal. Na
verdade, Pascal é bastante incisivo em sua crítica contra pessoas que são apáticas
sobre considerar o problema da existência de Deus. Na nota 194, ele afirma: "Esta
despreocupação em um assunto que diz respeito a eles mesmos, sua eternidade,
seu tudo, causa-me mais raiva do que piedade; Impressiona-me e surpreende-me; é
para mim monstruoso." Longe de aprovar a crença cega, um dos
principais argumentos de Pascal em Pensées era mover as pessoas fora da
sua apatia complacente para que elas pudessem pensar racionalmente sobre esse
problema crucial da existência segundo ele. Pascal afirma na nota 225: "O
ateísmo demonstra força intelectual, mas apenas até um certo ponto."
Descrentes que persistentemente começam um esforço racional e honesto de
procura pela verdade são elogiados por Pascal, excluindo aqueles que são
enganosos.
Referências
- ↑
Ir para: a b c Alan Hájek (02-05-1998,
revisado em 04-06-2008). Pascal's wager (em
inglês). Stanford Encyclopedia of Philosophy. Página visitada em
23-10-2012.
- ↑
Ir para: a b c d Pascal, Blaise. Pensées
- ↑
Ir para: a b c Jordan, Jeff. Pascal's Wager Revisited 1998
- Ir para cima ↑ Brown, Geoffrey. A Defence of Pascal's Wager 1984
- Ir para cima ↑ Hacking, Ian. The Logic of Pascal Wager 1972
- Ir para cima ↑ | Young, Chien. Article: Pascal’s Wager- Too Much Fear
and Too Little Faith
- Ir para cima ↑ Jordan, Jeff. Pascal's Wager:
Pragmatic Arguments and Belief in God. 2006.
- Ir para cima ↑ Steve Jobs se recusou a fazer cirurgia que poderia ter
salvado sua vida, afirma biógrafo
- Ir para cima ↑ [1]
- Ir para cima ↑ Morre Steve Jobs, fundador da Apple
- ↑
Ir para: a b Peterson, Robert. Pascal’s Wager: Logical Consistency
and Usefulness as an Argument for the Existence of God
- Ir para cima ↑ Dawkins, Richard. The God
Delusion pp. 104.
- Ir para cima ↑ The End of Pascal's Wager: Only Nontheists Go to Heaven
Extraído de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Aposta_de_Pascal
em 18OUT2013.