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sábado, 5 de janeiro de 2013
AS AVENTURAS DE PI – UMA RESENHA
Por Augustus Nicodemus Lopes
Não vou estragar o filme narrando seus detalhes e enredo. Os
interessados acharão estes detalhes na internet. Destaco aqui a
qualidade impressionante das imagens, cenários, imagens geradas por
computadores e as atuações excelentes dos atores que representaram Pi
nas várias fases de sua vida. Vou apenas comentar os pontos que achei
negativos e positivos no conteúdo profundamente espiritualista do filme.
O filme começa com Pi, já adulto, sendo entrevistado por um
autor/jornalista cético, acerca de sua história surpreendente. O
jornalista diz que veio procura-lo por indicação de um indiano que
conhecia a história de Pi, e que disse ao jornalista que aquela história
o faria acreditar em Deus ao final. E é nesse sentido que a história se
desenrola: o alvo do filme parece ser este, convencer a audiência a
“acreditar em Deus” no final. Todavia, não se define em que Deus
acreditar: Vishnu, Cristo, Alá? Os três são apresentados como o mesmo
Deus, uma ideia que ignora completamente o que cada uma destas religiões
– hinduísmo, cristianismo e islamismo – ensinam sobre Deus. Não existe
qualquer reconciliação teológica ou racional possível entre estes três
conceitos de Deus. O hinduísmo é politeísta (33 milhões de deuses) e
inclusivista, o cristianismo é trinitário e o islamismo é unitário, só
para começar. E os dois últimos são totalmente exclusivistas.
A
maior crítica que se pode fazer à mensagem do filme tem a ver com o seu
final surpreendente. Quando Pi é resgatado de seu naufrágio nas costas
do México, aparecem dois representantes da empresa japonesa à qual
pertence o navio de carga que afundou, e do qual Pi era o único
sobrevivente. Quando Pi conta a sua história, de como se salvou num bote
com uma hiena que matou uma zebra e um orangotango fêmea que por sua
vez foi morta pelo tigre, os investigadores não acreditam. Menos ainda
quando Pi narra as suas aventuras no mar, sozinho com o tigre. Pi então
conta uma outra versão da sua história, em que pessoas, ao que parece,
de alguma forma correspondem aos animais. Um budista ferido tem uma
perna quebrada, assim como a zebra. Um cozinheiro cruel e perverso é a
hiena. O orangotango, nesta versão, é a própria mãe do Pi. Todos foram
mortos pelo cozinheiro no bote, que em seguida comeu os cadáveres. E
depois Pi matou o cozinheiro. Fica no ar a questão se Pi também teve de
comer carne humana para sobreviver no mar quase um ano inteiro.
O ponto é este. Se acreditamos que a versão verdadeira é a história
canibal, a história de Pi e o tigre aparecem como uma espécie de
dispositivo psicológico elaborado por Pi para lidar com o horror de tudo
aquilo que ele passou nos mais de 200 dias no mar. Se, por outro lado,
aceitarmos a versão inicial, aceitamos também a ideia de que, com Deus,
todas as coisas são possíveis.
Pi confronta com esta escolha o
escritor/repórter que o está entrevistando com a pergunta: “qual das
duas histórias é a melhor? Qual você prefere?”. Quando o repórter, que
não acreditava em Deus, mas agora parece que acredita, responde: “A do
tigre...” Pi então replica, “É a mesma coisa com relação a Deus”.
Ou seja, a existência de Deus é uma questão de preferência pessoal
subjetiva, como escolher uma versão de uma história que nos parece a
melhor. Todas as religiões levam ao mesmo Deus. Escolher uma – ou
várias, como Pi – é uma questão totalmente subjetiva. E crer no Deus que
escolhemos nos faz bem, independentemente de sabermos se ele é verdade
ou não.
Um exemplo moderno deste ponto: podemos acreditar na
ressurreição simbólica de Cristo em vez de uma ressurreição literal, e
isto não fará a menor diferença, pois o importante é crer na melhor
história...
A cosmovisão que permeia o filme é pluralista e
relativista. O jovem Pi é ao mesmo tempo hindu, cristão e muçulmano, uma
defesa clara da ideia que todas as religiões são iguais, boas e
conduzem a Deus. Todavia, seu pai, que é retratado como materialista,
defensor da ciência como fonte última da verdade, a uma certa altura diz
ao seu filho: “Acreditar em tudo é a mesma coisa que acreditar em
nada”. Apesar do pai ser retratado de maneira meio negativa, esta
palavra dele é mais que verdadeira e contradiz a ideia central do filme.
Há partes isoladas no filme que representam o que seria uma fé
verdadeira no Deus da Bíblia. No início de sua jornada no bote
salva-vidas, Pi faz esta oração, "Deus, eu me entrego a ti. Eu sou teu
vaso. O que quer que acontecerá, eu quero saber. Mostre-me." Ele
agradece a Deus por todas as dificuldades que enfrenta, por Richard
Parker (o tigre de Bengala ranzinza que sobrevive com ele no bote) e,
quando ele sente que está prestes a morrer, agradece por sua vida,
dizendo a Deus que está ansioso para ver a sua família novamente.
Durante uma tempestade, ele fica com raiva, perguntando a Deus o que
mais ele poderia desejar ou tirar dele. Todavia, o conceito sincretista
do Deus de Pi passado pelo filme acaba neutralizando estas atitudes.
Qual o valor de se clamar a um Deus que não existe?
A mensagem
final do filme é bem contrária ao conceito cristão de Deus e da
salvação. Para nós, há somente um Deus, o Deus triúno, criador dos céus e
da terra, que se manifestou salvadoramente na pessoa de Jesus Cristo, o
único caminho para o verdadeiro Deus. Terei de concordar com os que
dizem que fé no Deus da Bíblia é algo pessoal. Mas discordo dos que
dizem que não faz a menor diferença se ele existe ou não, desde que crer
nele nos faça bem.
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