Nesse pequeno estudo quero te mostrar o que é pecado de acordo com a visão bíblica e no contexto original. Claro que aqui não esgotaremos o assunto, mas será apresentado para você noções importantes para que venha ao entendimento sobre o pecado.
Na teologia a matéria que estuda o pecado chama-se "hamartiologia". Este termo vem da junção de duas palavras gregas: "hamartia", que significa "transgressão", "pecado" ou "errar o alvo" e "logia" que significa "estudo" ou "doutrina". Então "hamartiologia" é a doutrina que estuda o pecado e suas consequências.
O pecado no cristianismo
Quando se estuda esse tema, na maioria dos livros teológicos cristãos e bíblias de estudo, como a "Bíblia do Pregador Pentecostal" da SBB, eles nos dão a seguinte informação:
"No Antigo Testamento (AT), o pecado é visto como uma transgressão direta à "Lei de Deus", caraterizado por um erro moral do homem que o torna culpado diante de Deus. Já no Novo Testamento (NT), o pecado é um mal impregnado na própria natureza pecaminosa do homem que o mantém cativo até que ele encontre a libertação em Jesus Cristo." Página 2013.
Essa forma de expressar deixa parecer que o pecado é diferente no AT e no NT. Eles dão a entender que somente no AT o pecado é uma transgressão à Lei de Deus, e que no NT ele é algo mais sério, mais profundo.
Contudo, será que é isso o que a Bíblia nos ensina a esse respeito? Ou isso é mera especulação teológica/filosófica?
Perceba que o tipo de pensamento sobre o pecado que você conhece, e que é ensinado em todo o mundo cristão, vem de filosofias e pensamentos de homens que são considerados grandes homens na história do cristianismo, e eu não estou aqui para desmerecer a nenhum deles, mas para que possamos aprender a olhar para a bíblia e não apenas para a teologia. Porque se eles criaram as idéias foi com a permissão do Eterno.
Então vou te mostrar mais algumas referências cristãs antes de passarmos para o significado hebraico.
Segundo McGrath, sobre a natureza do pecado, Agostinho afirmava que toda a humanidade é afetada pelo pecado em consequência da queda. Ele diz que a mente humana tornou-se obscurecida e enfraquecida pelo pecado. Ele fez com que se tornasse impossível para o pecador pensar com clareza e, especialmente, compreender verdades e idéias espirituais elevadas. Também que a vontade humana foi enfraquecida pelo pecado. E principalmente, para Agostinho o homem não tem controle sobre sua natureza pecaminosa.
O dicionário bíblico Wycliffe diz o seguinte: A maioria das definições de pecado é excessivamente restritiva. Por exemplo, uma definição usual, a de que o pecado é o egoísmo, significaria que um pai que rouba comida para uma criança faminta não estaria cometendo pecado. O pecado é iniquidade diz 1Jo 3:4, mas normalmente isto é interpretado em sentido muito limitado. A lei contra a qual se estima o pecado não é simplesmente a lei mosaica, mas sim toda e qualquer revelação de Deus durante todos os tempos. Isto inclui os mandamentos específicos da bíblia (tanto os positivos quanto os negativos) os princípios bíblicos de conduta (por exemplo 1Co 10:31) e leis que não se mencionam especificamente na bíblia sagrada, mas que podem ser consideradas diretrizes dadas pelos líderes indicados por Deus (por exemplo Hb 13:17 e Ef 6:1).
As palavras originais para pecado
Vamos agora entrar nas palavras originais a fim de buscarmos compreensão do assunto abordado.
Primeiramente devemos entender que a palavra "pecado" em português vem do latim "peccatum" e aparece pela primeira vez em Gn 4:7, na tradução chamada "Vulgata Latina de Jerônimo". Seu significado é "desejo", "concupiscência".
Conforme já mencionamos no início desse estudo, no grego é "hamartia", significando "transgressão", "pecado". Porém, no chamado NT ainda aparecem mais 12 palavras básicas para descrever pecado, conforme podemos ver no dicionário Wycliffe. Essas palavras também podem trazer outras variações que levam o entendimento para mau, iniquidade, impiedade, culpa, prostituição, entre outros.
No hebraico também há tantos termos que denotam o pecado e o mau, e trataremos de pelo menos três, para que possamos ter um entendimento mais claro a respeito do pecado.
De acordo com o judaísmo, pecar contra D'us significa ignorar ou transgredir a vontade divina, violando um ou mais mandamentos da Toráh referente a nosso relacionamento com o Rei do Universo.
Segundo o site "Shemah Yisrael.com", na Toráh, diferentes palavras hebraicas são usadas para descrever diferentes tipos de pecado.
E aqui é o momento de te fazer uma pergunta: Todo pecado é igual? Afinal, muitos dizem por aí que não existe pecadinho ou pecadão. Todo pecado é considerado pelo Eterno de forma igual, diante da bíblia? Onde está a verdade?
Os termos que aparecem na Toráh para os diferentes tipo de pecado são:
- חטא - cheth - e suas variações, que significa pecado, delito mas também uma das variações, o "chatá", significa errar o caminho, errar o alvo. Esses termos são usados quando o pecado é cometido por erro ou por descuido, e há os que dizem que este termo também se refere à quebra do relacionamento com o Eterno diretamente.
- עוון - avon ou awon - que significa pecado, delito, iniquidade, culpa, é utilizada quando o pecado é fruto de desejo ou paixão, e também se refere ao relacionamento com o próprio homem com seu semelhante. Também tem conotação com desonestidade, ou afastar-se intencionalmente do caminho da justiça de D'us. E caso se pergunte se é daqui que a empresa de cosméticos tira seu nome, sim, é, devido ao significado que a palavra trás sobre desejo e paixão.
- פְּשָׁעִים - pesha - que significa pecado, delito, rebelião ou prevaricação, é utilizada para designar um ato de rebelião contra o criador, afastamento de D'us, desvio consciente. Esse termo não é usado apenas para designar uma falha, mas designa quando alguém vai além dos limites fixados por D'us, quando rebela-se contra sua autoridade.
Há um midrash (ensino) que nos oferece, por meio de uma linguagem metafórica, um entendimento mais profundo do pecado e de suas consequências para o homem. Veja o texto dessa midrash extraído do site chabad.org.
O Midrash (Yalcut Shimoni sobre Tehilim 25) descreve uma espécie de "mesa-redonda" na qual esta pergunta é apresentada a quatro autoridades diferentes - Sabedoria, Profecia, Torá e D'us - cada um dos quais fornece uma diferente definição de pecado.
Segundo a Sabedoria, o pecado é um ato prejudicial. De acordo com a Profecia, é morte. Torá o vê como uma tolice. E D'us o vê como uma oportunidade.
A visão filosófica do pecado é que é uma má idéia, como caminhar descalço sobre a neve ou comer muitos alimentos engordurados. Se você faz coisas más, as consequências serão más.
Isso quer dizer que Alguém fica sentado, tabulando os pecados e distribuindo os castigos? Bem, de certa forma, embora não seja algo tão simplista como um D'us vingativo acertando as contas com Suas pequenas criaturas terráqueas por ousarem desafiar Suas instruções. A gangrena em um membro congelado é a punição enviada por D'us por aquela caminhada sobre a neve? Problemas no coração são a vingança de D'us por causa de uma dieta rica em colesterol? Definitivamente sim, se você aceita que tudo que acontece foi porque D'us queria que acontecesse. Mas o que realmente significa é que D'us estabeleceu certas "leis da natureza" que descrevem os padrões de Seus atos sobre nossa existência. Há leis físicas da natureza - aquelas que os cientistas avaliam e formulam hipóteses a respeito. Há também leis espirituais da natureza, que ditam que os atos espiritualmente benéficos produzem benefício espiritual, e ações espiritualmente prejudiciais causam dano espiritual. E como nossa existência física deriva e espelha nossa realidade espiritual, o comportamento moral e espiritual de uma pessoa terminará por afetar sua vida física também.
Dessa maneira, o Rei Salomão (que é a fonte da perspectiva da "Sabedoria" no Midrash acima mencionado) declara no Livro dos Provérbios (Mishlê): "O mal persegue a iniqüidade."
"Profecia" vai um passo além disso. O pecado não é apenas um ato prejudicial - é o ato prejudicial por excelência. A Profecia (que representa o apogeu do esforço do homem para comungar com D'us) define "vida" como uma conexão com D'us. O Pecado - o homem afastando-se de D'us - é uma ruptura desta conexão.
Sendo assim, o pecado é a morte.
A Torá concorda que o pecado seja um ato prejudicial. Concorda também que é uma ruptura do fluxo de vida do Criador para a criação. De fato, a Torá é a fonte tanto da perspectiva da Sabedoria como da Profecia sobre o pecado. Mas a Torá também vai além de ambos, ao reconhecer que a alma do homem, voluntária e conscientemente, jamais faria algo tão tolo.
O pecado, diz a Torá, é um ato de insensatez. A alma "perde a cabeça", e num momento de irracionalidade e confusão cognitiva faz algo contrário a seu verdadeiro desejo. Então o pecado pode ser transcendido, quando a alma reconhece e identifica a tolice de sua transgressão, e reafirma sua verdadeira vontade. Então o verdadeiro "eu" da alma transparece, revelando que o pecado foi de fato cometido apenas pelo "eu" mais externo e maleável da alma, ao passo que seu "eu" interior jamais esteve envolvido.
E o que diz D'us? D'us, é claro, inventou as leis da natureza (tanto físicas como espirituais) e a Sabedoria que reconhece como elas funcionam. D'us é a fonte da vida, e é Ele quem decreta que a vida deveria fluir para a alma humana através de um canal construído (ou rompido) pelas ações do homem. E D'us nos deu a Torá e suas fórmulas para a sanidade espiritual, auto-conhecimento e transcendência. Portanto, D'us é a fonte das primeiras três perspectivas sobre o pecado.
Mas há uma quarta perspectiva que vem unicamente de D'us: o pecado como uma oportunidade para o "retorno" (teshuvá).
Teshuvá é um processo que, em sua forma máxima, nos possibilita não apenas transcender nossas falhas como também redimi-las: literalmente, voltar no tempo e redefinir a natureza essencial de um ato passado, transformando-o de mau em bom.
Para conseguir isso, primeiro temos de sentir o ato de transgressão como algo negativo. Temos de agonizar com a total devastação que produziu em nossa alma. Temos de reconhecer, rejeitar e renunciar à sua insensatez. Apenas então poderemos voltar atrás e alterar aquilo que fizemos.
Então, o pecado é uma ação má e prejudicial? É a própria face da morte? É mera estupidez, para ser posta de lado por uma alma inerentemente pura e sábia? É uma oportunidade potente para a conquista e o crescimento? Na verdade, é tudo isso. Mas apenas pode ser a quarta perspectiva se for também as três primeiras. (extraído de https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/1152528/jewish/O-Que-Pecado.htm )
A teshuvah, retorno ou conversão é justamente o ato de voltar atrás arrependido, após o ato do pecado ou transgressão.
Quando olhamos para o texto de 1Jo 3:4-9, podemos entender um pouco melhor a relação entre o pecado e a teshuvah ou arrependimento.
Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei. Sabeis também que ele se manifestou para tirar os pecados, e nele não existe pecado. Todo aquele que permanece nele não vive pecando; todo aquele que vive pecando não o viu, nem o conheceu. Filhinhos, não vos deixeis enganar por ninguém; aquele que pratica a justiça é justo, assim como ele é justo. Aquele que pratica o pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando desde o princípio. Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo. Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus. 1Jo 3:4-9
Podemos ver no texto que o pecado é a transgressão dos mandamentos do Eterno, e se vivemos de acordo com a vontade do Eterno, vivemos como Yeshua nos ensinou e assim demonstramos arrependimento e voltamos para o Eterno toda vez que viermos a transgredir o mandamento, ou seja, o pecado não será mais uma constante em nossas vidas.
Os níveis de pecado
Vejamos os seguintes textos bíblicos:
Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos, em lugar dos pais; cada qual será morto pelo seu pecado. Dt 24:16
o qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai, Gl 1:4
Até aqui vimos sobre o significado do termo pecado, e mostramos alguns significados desse termo no latim, no grego, e no hebraico, bem como um ensinamento judaico sobre ele, através do midrash.
Mencionamos também, que sempre ouvimos as pessoas dizerem que só existe pecado, e que não há pecadinho e pecadão, eles dizem que pecado é pecado e pronto. Porém, essa visão cristã não condiz com o que as Escrituras nos dizem.
Os três diferentes termos hebraicos para pecado, conforme vimos acima, correspondem a diferentes níveis de pecado, e isso conforme as Escrituras, pois há diferentes tipos de sacrifícios. E há uma relação direta entre os sacrifícios (corbanot) e os tipos ou níveis de pecado. Veja Lv 4:1 a 6:7, onde encontramos o sacrifício pelos pecados dos sacerdotes, o sacrifício pelos pecados do povo, o sacrifício pelos pecados de um príncipe, o sacrifício pelos pecados de qualquer pessoa, o sacrifício pelos pecados ocultos, o sacrifício pelos pecados a coisas sagradas, o sacrifício pelos pecados involuntários e os sacrifícios pelos pecados voluntários.
Também há leis e mandamentos específicos que nos apontam para pecados maiores e menores. Por exemplo, os pecados de idolatria são grandes pecados, já os pecados por comer coisa impura são pecados menores. Para estes últimos quem come fica impuro até a tarde, de acordo com Lv 11.
Mas talvez você diga que eu esteja tomando por base somente os textos do chamado AT, e segundo o pensamento de muitos, a Lei não é mais válida agora na graça. Então lhes mostrarei textos do chamado NT.
Primeiro um texto que já mencionamos anteriormente, 1Jo 3:4.
Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei.
E também o texto de Rm 1:28-32.
E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes, cheios de toda iniquidade, malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade; sendo difamadores, caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais, insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia. Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que assim procedem.
É necessário observar que aparentemente estes versos estão destituídos do contexto de leis de Deus, mas isso é apenas aparente, pois se levarmos em conta todo o contexto de toda a epístola, e principalmente nos primeiros versículos entenderemos a respeito do que o apóstolo está falando. E como complemento a este estudo sugiro que assista ao vídeo do nosso canal do YouTube, Sou Peregrino na Terra, pois irá acrescentar ao seu conhecimento.
O texto inicia nos dizendo que pessoas desprezaram o conhecimento de Deus, estando cheios de toda iniquidade. Bem já vimos aqui neste estudo, que iniquidade é pecado e pecado é transgressão da lei.
Iniquidade vem do grego "Anomian" que é contra a lei, pois "a" é contra e "nomos" é lei. Assim fica fácil compreendermos que o texto está dizendo que as pessoas desprezaram a Deus e cometeram pecado. E não somente isso, pois o apóstolo começa a listar uma série de pecados previstos na Torá do Eterno, apontando que o homem desprezando a lei, comete tais iniquidades ou transgressões.
E finalmente o texto nos informa que aqueles que cometem tais transgressões ou pecados são dignos de morte, apontando a gravidade do assunto.
Devemos, contudo, buscar retornar para o Eterno em teshuvah, arrependimento, conversão, para que por meio de Yeshua Hamashia (Jesus Cristo) possamos ser livres da inclinação para o mal e assim, obedecer aos mandamentos do Eterno e deixar de transgredir ou pecar.
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