Estudos da Torá
Parashá nº 50 – Ki Tavô (Quando entrares)
Devarim/Deuteronômio Dt 26:1-29:9
Haftará (Separação) Is 60:1-22; e
B’rit Hadashah (Nova Aliança) Jo 13:1-15:27.
1 - INTRODUÇÃO
No estudo da parashá dessa semana veremos mais uma parte do discurso de Moshê ensinando e fazendo o povo relembrar as leis e mandamentos do Eterno, para que vivessem segundo sua vontade. Nessa porção estudaremos sobre a mitsvá (mandamento) anual aos fazendeiros de Israel para que trouxessem seus bikurim (primícias/primeiros frutos) ao sacerdote no templo, reconhecendo o importante papel do Eterno na provisão de seu sustento, e qual a importância desses mandamentos para cada um de nós.
Após novamente exortar o povo de Yisrael a permanecer fiel a D’us, que os elegeu especificamente como Seu povo escolhido dentre todas as nações do mundo, Moshê ensina duas mitsvot especiais que eles deverão cumprir ao entrar na Terra de Yisrael para reafirmar seu compromisso com a Torá. Primeiro deverão escrever toda a Torá em doze grandes pedras, e então deverão recitar bênçãos e maldições no vale entre Monte Gerizim e Monte Eival, as quais se aplicarão respectivamente àqueles que cumprem e àqueles que afrontam a Torá. Seguindo-se uma recontagem das maravilhosas bênçãos que D’us concederá ao povo judeu por permanecer fiel, Moshê faz uma assustadora profecia do que se abaterá sobre o povo por não cumprir a Torá. Conhecido como admoestação, Moshê descreve com detalhes a horrível destruição que infelizmente acontecerá quando nos desviarmos das mitsvot.
A Porção da Torá conclui quando Moshê contempla em retrospecto os maravilhosos milagres que D’us realizou pelos quarenta anos anteriores, lembrando o povo da enorme dívida de gratidão que tem com D’us por Seu carinhoso amor.
2 - ESTUDO DAS PALAVRAS
“Quando entrares na terra que o Eterno, teu Elohim, te dá por herança, ao possuí-la e nela habitares, tomarás das primícias de todos os frutos do solo que recolheres da terra que te dá o Eterno, teu Elohim, e as porás num cesto, e irás ao lugar que o Eterno, teu Elohim, escolher para ali fazer habitar o seu nome.” Dt 26:1-2
Moshê trás à memória do povo que eles deveriam levar as primícias de sua colheita “ao lugar”(ha makon) que Adonai escolher. A lembrança desse mandamento ao povo de Israel tinha o objetivo de que eles tivessem claro em sua mente, que a terra era dada a eles em herança, por Adonai. Ou seja, assim como o Eterno criou todas as coisas, criou também Israel, e dessa forma está mostrando ao povo que tem condições de dar a Israel a terra de herança, bem como o que eles necessitam para viver. A palavra “herança” vem do termo hebraico “nahala” que significa também “legado, possessão”. Essa palavra tem em si o entendimento do que é ou pode ser passado adiante como herança. O interessante aqui é que percebemos que Israel é o único país do mundo que tem suas fronteiras demarcadas pelo próprio D’us. Por isso ele tem direito à posse da terra, de habitar e existir ali. Sendo assim, e sabendo que a Palavra de HaShem não pode ser anulada, percebemos que como isso é profético, pois aponta para o futuro, onde Israel retomará todas as suas antigas fronteiras e com isso, tenha outra vez autonomia sobre a terra que lhe fora dada por herança física pelo próprio criador.
Retornando à questão da oferta, lemos que enquanto estivessem ali, eles deveriam trazer suas “primícias” ao Eterno, “no lugar” (ha makon) que Ele escolheria para ali habitar seu nome. Os primeiros frutos levados ao sacerdote eram das sete espécies pelas quais Êrets Yisrael é abençoada: trigo, cevada, uva, figo, romã, azeitona e tâmara. Isso mostra duas idéias importantes, que são as “primícias” e “o lugar”.
Em primeiro lugar falemos sobre as primícias, que nesse texto surge como “laqesh”, significando colheita tardia, isto é, colheita da primavera. Com certeza é uma referência à bikurim (primícias) que ocorre no segundo dia de pessach. Mas de onde isso viria? O termo “laqesh” tem sua raiz no termo “malkôsh” significando “últimas chuvas, chuvas de primavera”. Sabendo que o período de chuvas em Israel vai de dezembro à março, quando caem as chuvas tardias, conhecidas como serôdias e que podem ser vistas mencionadas nos seguintes versos:
“Não dizem no seu íntimo: ‘Temamos o Eterno, o nosso D’us: aquele que dá as chuvas do outono e da primavera, no tempo certo, e assegura-nos as semanas certas da colheita’”. Jr 5:24,
“Conheçamos o Eterno; esforcemo-nos por conhecê-lo. Tão certo como nasce o sol, ele aparecerá; virá para nós como as chuvas de inverno, como as chuvas de primavera que regam a terra." Os 6:3
“Ó povo de Sião, alegre-se e regozije-se no Eterno, no seu D’us, pois ele lhe dá as chuvas de outono, conforme a sua justiça. Ele lhe envia muitas chuvas, as de outono e as de primavera, como antes fazia.” Jl 2:23
Essas chuvas de primavera se estendem até abril, que é a época da festa de pessach, matzot e bikurim, por isso caracteriza o evento. A palavra usada para designar “primícias” em hebraico é “reshit” que significa “primeiro, princípio, melhor (de um grupo)” E esta palavra vem da raiz “ro’sh” que por sua vez significa “cabeça, pico, cume, parte superior, chefe, total, soma”. Com isso, devemos entender que tais frutos deveriam ser, além dos primeiros, os melhores, provenientes da terra que o Eterno lhes dera.
E essas primícias de suas plantações deveriam ser levadas “ao lugar” que o Eterno escolheria para ali fazer “habitar” seu nome. Isso é uma referência ao templo construído por Salomão, no Monte Sião, também conhecido como MoRYah, que conforme já dissemos em estudos anteriores, é um acróstico de “Makon-lugar, Ree-vê, Yah-parte do nome do Eterno”, que literalmente significa “lugar que se vê D’us”.
E também aqui notamos dois fatores importantes, a palavra “habitar” vem do hebraico “shakan” que também significa “tabernacular”. Esta palavra indica uma “morada provisória”, e sabemos que mesmo o templo, cuja construção foi tão esmerada e demorada, foi considerada pelo Eterno como uma “habitação temporária”, pois seu projeto seria habitar dentro do Tabernáculo que Ele mesmo construiu, ou seja, o homem, onde habitaria para sempre o seu nome.
Com tudo isso, podemos perceber como o Eterno é didático no que faz, pois os seus servos são identificados por seu nome, pois somos chamados “messiânicos” (seguidores ao messias), ou “nazarenos” (seguidores do nazareno) e o próprio povo de Yisrael traz em seu nome um dos nomes de D’us - El - que o une, identifica, ao Eterno, assim também como o termo que o identifica desde a separação das duas casas, os Yhudim, ou seja, judeus, também trazem uma letra do nome do Eterno.
Ainda sobre esta oferta, ela também é mencionada em Ex 23:19 e 34:26, com o termo “bikurey”, onde lemos:
“As primícias (reshit) dos primeiros frutos (bikurim) da tua terra trarás à Casa de HaShem”.
Percebemos que o propósito de entregar os primeiros frutos, que são os mais apreciados, é demonstrar ao Eterno que Ele é o primeiro nas nossas vidas. Veja, é tentador degustar o primeiro fruto maduro de uma espécie que não estava disponível já há algum tempo. Em vez disso, nós somos instruídos pela Torá a nos refrearmos, e reservá-lo para D’us. E assim notamos um dos benefícios da mitsvá, que é a de fortalecer o autocontrole da pessoa e de demonstrarmos nosso amor ao Eterno.
Entenda ainda que, quando os primeiros frutos começavam a brotar, eram marcados com um fiozinho, e assim poderiam ser observados. Quando amadureciam eram levados ao santuário entre Shavuot (semanas ou pentecostes) e Sukkot (tabernáculos). De acordo com o site Chabad, o dono do campo esperava até que as várias espécies de frutos tivessem amadurecido para levá-los ao Bet Hamikdash(casa da santidade - templo). Se ele calculasse que as primeiras frutas iriam apodrecer antes de começar sua jornada, ele deveria preservá-las. Por exemplo, transformando os figos em figos secos e as uvas em passas. Apesar de que ele só precisava dar uma fruta como bikurim, quanto mais ele acrescentar, maior seria sua mitsvá, ou seja seu cumprimento.
Os antigos em seus midrashim afirmam que as frutas deveriam se levadas ao Beit Hamikdash em algum recipiente, como uma cesta, e preferivelmente, uma espécie em cada recipiente. Se todas elas fossem colocadas no mesmo recipiente, deveria-se proceder da seguinte forma: a cevada por baixo, por cima dela o trigo, acima dele as azeitonas, as tâmaras, as romãs, e finalmente os figos por cima de tudo. Entre cada camada de fruta deve haver uma divisória, como folhas, e a camada de cima é circundada por cachos de uvas. Profeticamente essa organização aponta para como o Eterno irá organizar os grupos de servos no reino do messias, ou seja a hierarquia no reino.
Segundo o site “emunah a fé dos santos”, na época do Templo, famílias inteiras costumavam ir juntas a Yerushalaym, encontramos isso em Lc 2:42-46, e ao se aproximarem da cidade as pessoas saíam a recebê-los com gritos de alegria e com toques de flautas. Os levitas cantavam o Salmo 30 (que é uma referência à ressurreição do Messias, a qual é simbolizada nas primícias, “bikurim”) e também o Salmo 122.
Uma midrash no site Chabad, conta como era a chegada dos habitantes de outras cidades em Yerushalaym, para a festa da entrega das primícias, que passo a transcrever abaixo:
As cidades de Êrets Yisrael eram agrupadas em distritos. Os habitantes de cada cidade de um mesmo distrito se reuniam em um lugar e viajavam juntos para Yerushalayim para trazer os seus bikurim.
A mitsvá era engrandecida quando realizada por toda a congregação. Os viajantes descansavam à noite em céu aberto (evitando assim a possibilidade de ficarem impuros, pois alguém que estivesse numa casa que contivesse um cadáver, suas primícias se tornariam impuras e portanto inaptas para serem trazidas ao Bet Hamicdash). De manhã, o líder anunciava: "Levantem-se, e vamos a Tsiyon, à casa do nosso D’us!"
Um boi, que mais tarde seria oferecido como oferenda, ia à frente da procissão; seus chifres cobertos com ouro e uma grinalda de folhas de oliva enfeitava sua cabeça. Os viajantes recitavam (Salmos 122:1) "Eu ficava feliz quando me diziam: ‘Vamos à Casa de D’us.’" Flautistas proviam acompanhamento musical até que a procissão alcançasse Yerushalayim. Os viajantes paravam nos portões para arranjar e decorar seus bikurim, enquanto avisavam que eles haviam chegado à cidade. Eles eram recebidos por vários cohanim (sacerdotes), leviyim (levitas) e tesoureiros do Bet Hamikdash, que saíam para cumprimentá-los. Ao entrar na cidade os viajantes proclamavam (Salmos 122:2) "Nossos pés estavam em seus portões, Yerushalayim."
Os trabalhadores de Yerushalayim paravam seu trabalho, levantavam-se e cumprimentavam os recém-chegados: "Nossos irmãos de tal cidade, sejam bem vindos!" (Eles assim honravam os cumpridores da mitsvá. Para demonstrar nosso respeito àqueles que estão cumprindo uma mitsvá, nós costumamos nos levantar, como por exemplo, quando um bebê é trazido para o Berit Milá.)
Os flautistas continuavam a tocar e os viajantes continuavam a recitar os versos dos Salmos até chegarem ao Monte do Templo. Aí todos, inclusive o próprio rei, colocavam suas cestas sobre os ombros e pessoalmente apresentavam-nas ao cohen. Quando a procissão entrava na Azará (o pátio do Bet Hamicdash) os leviyim cantavam: "Te louvarei, D’us, por ter me erguido e não ter deixado meus inimigos regozijarem-se em mim."(Salmos 30:2).
Os viajantes tinham anexado pombas aos lados de suas cestas e davam-nas para os cohanim, como oferenda. Com as cestas ainda em seus ombros, cada judeu recitava o verso (Deuteronômio 26:3): "Eu declaro hoje a D’us, nosso D’us, que eu vim à terra que D’us prometeu aos nossos antepassados que a daria para nós." Ele assim reconhecia que D’us manteve a Sua promessa para com os nossos antepassados, e que ele trouxe para o Bet Hamicdash um presente de bikurim da sua porção de terra. Enquanto o proprietário segurava a alça da cesta, o cohen colocava suas mão sob esta, e juntos, eles erguiam a oferenda.
Talvez você possa se perguntar o que tem com tudo isso, uma vez que não é judeu. Além de pertencer a Yisrael, por causa do que o Messias Yeshua fez, a Torá nos orienta a agirmos como se nós fossemos quem viveu todo o episódio de libertação, assim como em Pessach.
“Virás ao que, naqueles dias, for sacerdote e lhe dirás: Hoje, declaro ao Eterno, teu Elohim, que entrei na terra que o Eterno, sob juramento, prometeu dar a nossos pais.” Dt 26:3
Este verso nos ensina a respeito da importância da identificação nacional e histórica com o povo de Israel. Todas as pessoas que faziam esta declaração no templo não tinham entrado fisicamente na terra, mas eram descendentes ou não deles, por pertencer ao povo deles, cada judeu/israelita terá que se identificar com esse fato como se ele mesmo tivesse vivido.
“Então, testificarás perante o Eterno teu Elohim, e dirás: Arameu prestes a perecer foi meu pai, e desceu para o Egito, e ali viveu como estrangeiro com pouca gente; e ali veio a ser nação grande, forte e numerosa.” Dt 26:5
Vejamos agora, como sempre temos dito, como a Torá é profética, ao contrário do que muitos pensam.
Arã foi o quinto filho de Sem, cf. Gênesis 10:22, e não é ancestral de Abraão, mas sim o terceiro filho de Sem, Arfaxade. Como é que então aqui neste verso nos é dito que o pai dos israelitas foi um arameu? Labão foi chamado “arameu”, cf. Gênesis 25:19-20; 28:5. Ele tampouco foi descendente de Arã. Ao que parece, eram chamados arameus porque viviam em Padã-Arã. O pai de Labão, Betuel, e Isaque eram primos. A filha de Betuel foi Rebeca. Logo Isaque casou com a filha de seu primo. O irmão de Rebeca foi Labão, chamado “o arameu”. Mas não vinha desse Arã mencionado em Gênesis 10. Um dos irmãos de Betuel, Kemuel, é chamado o pai de Arã. Esse outro Arã, era portanto primo de Labão. Jacob e esse outro Arã, eram então primos em segundo grau.
É provável que os descendentes de Arã em Gênesis 10 tenham povoado a terra chamada Padã-Arã. Esse Arã que na maior parte das vezes é mencionado nas Escrituras é a terra que hoje em dia se chama Síria. Padã-Arã é mais a norte, cruzando o rio, na Mesopotâmia. É provável que Labão fosse chamado arameu pelo fato de falar em arameu e habitar nessa área, ainda que não fosse descendente de Arã, filho de Sem. Segundo Gênesis 31:47, Labão falava o idioma arameu.
Como é que Yaacov (Israel) foi chamado arameu na Torá? (Abraão foi chamado “hebreu”, não “arameu”), como vamos entender essa oração?
A tradução Peshita diz “meu pai foi enviado a Arã”, referindo-se a Jacob que foi enviado à terra onde estava Labão. Outra tradução diz: “um aramita (tentou) destruir o meu pai”. Outra tradução diz: “um arameu quis fazer perecer o meu pai” (Chumash HaMerkaz). Outra tradução diz: “um arameu a ponto de perecer foi meu pai”: Ainda outra diz: “Um aramí era a perdição do meu ancestral”.
Se entendermos a palavra como se Yaacov fosse arameu por viver na terra geográfica de Padã-Arã onde passou vinte anos da sua vida; é provável que por ter ali morado tanto tempo, que tenha sido chamado arameu, tal como Labão que habitava nessa terra, sem necessariamente ser descendente de Arã, filho de Sem.
A razão pela qual Yaacov não é chamado hebreu, mas sim arameu, é para nos demonstrar que a descendência de Abraão, e Isaque é mais profética do que biológica.
Concluindo, devemos entender que os mandamentos descritos por Moshê nesta parashá, entre outras coisas, servem para demonstrarmos nosso amor e prioridade ao Eterno, enquanto Ele mesmo nos mostra como agiu e age para que possamos ser parte de seu reino. Como primícias Yeshua foi o primeiro e é o representante, depois os seguidores, os remanescentes enxertados no povo estarão no reino. Lembremos do que Rav Shaul, o apóstolo Paulo, fala sobre isso em sua epístola aos Coríntios.
“Mas de fato o Messias ressuscitou dentre os mortos, sendo a primícias dentre aqueles que dormiram. Visto que a morte veio por meio de um só homem, também a ressurreição dos mortos veio por meio de um só homem. Pois da mesma forma como em Adão todos morrem, no Messias todos serão vivificados. Mas cada um por sua vez: o Messias, o primeiro; depois, quando ele vier, os que lhe pertencem. Então virá o fim, quando ele entregar o Reino a D’us, o Pai, depois de ter destruído todo domínio, autoridade e poder.” 1 Coríntios 15:20-24
Que possamos a cada dia sermos guiados pela palavra, ir ao encontro do reino através do cumprimento dos mandamentos seguindo o exemplo de nosso rei e irmão mais velho, Yeshua Hamashiach. Que nossa vida de justiça em exemplo a de Yeshua, possa ser as primícias verdadeiras para serem entregues ao Eterno em cada momento de nossas vidas.
Que HaShem lhes abençoe!
Pr. Marcelo Santos da Silva (Marcelo Peregrino Silva – Moshê Ben Yossef)
Bibliografia:
- Torá - Lei de Moisés. Editora Sefer
- Bíblia Judaica Completa, Editora Vida.
- http://www.hebraico.pro.br/r/biblia/
- http://emunah-fe-dos-santos.weebly.com/uploads/1/4/2/3/14238883/50_-_ki_tav_quando_chegares.pdf
- http://shemaysrael.com/parasha-ki-tavo/
- https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/822839/jewish/Resumo-da-Parash.htm
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