Estudos da Torá
Parashá nº 49 – Ki Tetse (Quando saíres)
Devarim/Deuteronômio 21:10-25:19
Haftará (separação) Is 52:13-54:17 e
B’rit Hadashah (Aliança Renovada) Mt 19:3-12, 1Co 9:4-18
A alegria da esposa redimida.
Há cenas nas Escrituras que, à primeira vista, parecem duras, até desconfortáveis. Entre elas, encontramos o mandamento de Devarim 21:10-13, sobre a mulher cativa em tempos de guerra. O texto nos choca porque toca em um dos momentos mais sombrios da humanidade: a guerra, onde o instinto e a violência costumam governar. Mas, surpreendentemente, a Torá nos revela nesse cenário de dor um raio de luz, um princípio de dignidade, paciência e redenção.
Quando olhamos com atenção, percebemos que o Eterno está nos ensinando não apenas sobre disciplina e controle dos impulsos humanos, mas também sobre Seu próprio amor e maneira de agir com Yisrael. A mulher cativa se torna, no plano profético, a imagem da esposa redimida, Yisrael, que passou pela vergonha, pelo exílio e pela solidão, mas que é novamente acolhida pelo seu marido, o Eterno, por meio do messias, como anuncia Yeshayahu 54.
RESUMO DA PARASHÁ DA SEMANA
A parashá Ki Tetse reúne uma grande variedade de mandamentos que orientam a vida do povo de Yisrael em sua caminhada de obediência ao Eterno. Nela, encontramos instruções que abrangem tanto questões familiares como sociais, econômicas e até de guerra, mostrando que a santidade deve permear todas as áreas da vida.
O texto começa tratando das situações de guerra, quando um israelita deseja tomar uma mulher cativa. O Eterno ordena que até mesmo em tempos de conflito haja respeito e dignidade no tratamento dela. Em seguida, fala-se sobre os direitos de herança do primogênito, que devem ser respeitados independentemente da afeição do pai pelas esposas, e também sobre o destino do filho rebelde que não obedece à voz dos pais. Conclui-se essa seção com a instrução de que um homem executado não deve permanecer na estaca durante a noite, pois Yisrael é chamado a ser santo e não pode profanar a terra.
O Eterno também dá mandamentos que demonstram sensibilidade e cuidado para com os animais, como no caso de devolver o boi perdido ou libertar a mãe ao tomar os filhotes de um ninho. Há ainda instruções práticas para proteger a vida, como a necessidade de construir um parapeito no telhado. Outros mandamentos proíbem misturas de espécies diferentes, seja no campo, nos animais ou nos tecidos, para que Israel mantenha a ordem estabelecida pelo Criador.
A parashá também enfatiza a pureza no matrimônio e a justiça nos relacionamentos. Há leis sobre acusações de adultério, sobre divórcio e sobre a impossibilidade de o homem tornar a casar-se com sua primeira esposa após tê-la despedido. O recém-casado é lembrado de seu papel principal: alegrar sua esposa no primeiro ano de união. Além disso, o texto protege os mais frágeis da sociedade — o estrangeiro, o órfão e a viúva — ordenando que não se torça o direito deles e que as sobras da colheita sejam deixadas em favor deles.
O respeito pelo próximo se expressa também no campo econômico: proíbe-se cobrar juros do irmão, ordena-se pagar o salário do trabalhador no mesmo dia e se estabelece que os pesos e medidas devem ser justos. Até os animais são lembrados, com a ordem de não amordaçar o boi que debulha.
Outro ponto marcante é a lei do levirato (yibum), que assegura a descendência do irmão falecido através do casamento com o cunhado. Essa instrução reforça a importância da continuidade do nome dentro de Israel.
Por fim, a parashá conclui com a recordação da maldade de Amalek, que atacou Israel no caminho, e o mandamento de apagar a sua memória debaixo dos céus.
Assim, Ki Tetse mostra que a vida em obediência ao Eterno não se limita ao templo ou aos momentos de culto, mas se manifesta em cada detalhe da vida cotidiana, seja no campo, na casa, no trabalho, no casamento ou até mesmo em tempos de guerra. Como está escrito: “Agora, Israel, que é que o Eterno teu Elohim pede de ti, senão que temas ao Eterno teu Elohim, que andes em todos os seus caminhos, que o ames e o sirvas de todo o teu coração e de toda a tua alma; que guardes os mandamentos do Eterno e os seus estatutos, que hoje te ordeno, para o teu bem?” (Devarim 10:12–13).
ESTUDO DO TEXTO DA PARASHÁ
No estudo que compartilhei ano passado sobre a parashá Ki Tetse, observamos como o mandamento da mulher cativa mostra a necessidade de frear o ímpeto do soldado, impondo-lhe tempo de espera, reflexão e teste de intenções. Era uma lição contra a precipitação, contra a ilusão da beleza momentânea, e a favor de um vínculo verdadeiro e duradouro. Na ocasião observamos profeticamente aquela mulher cativa se tornar noiva como representação dos remanescentes do Eterno. (Para ler o estudo acesse: https://souperegrinonaterra.blogspot.com/search?q=ki+tetse)
Hoje, queremos avançar dessa reflexão prática para uma visão profética mais profunda. O que significa essa imagem da mulher cativa para a relação do Eterno com Seu povo? Como ela se conecta com a haftará de Yeshayahu 54, onde Yisrael é descrita como a esposa abandonada que volta a ser amada?
Neste estudo, intitulado “A Alegria da Esposa Redimida”, vamos perceber que a mulher cativa é uma sombra da restauração de Yisrael e Yehudah, junto com pessoas das nações que se voltam para o Eterno. E veremos que o Mashiach, como representante do Eterno, cumpre o papel do esposo, chamando a esposa de volta ao lar da aliança, da mesma forma como o Eterno fez com Hoshea, o profeta.
Antes de qualquer coisa, vamos ler o texto de Yeshayahu 54, refletir em alguns pontos e depois damos continuidade no contexto deste estudo. A leitura é feita durante a live de comentários desse estudo.
Agora que lemos o texto do profeta, vamos entrar no estudo propriamente. Primeiro vejamos um pouco do contexto histórico do profeta Yeshayahu. De acordo com o Manual Bíblico da SBB, até este ponto do livro, este profeta se preocupou mais com a ameaça da Assíria. Tanto que o capítulo 39 faz transição para o grande período seguinte, o tempo do domínio babilônico. Há algumas discussões acerca do tempo da escrita do livro de Yeshayahu e se ele escreveu todo o livro ou mais duas pessoas posteriores teriam completado. Os profetas recebiam do Eterno visões detalhadas do futuro. Elas eram registradas de forma fragmentada, muitas vezes em códigos e sem ordem cronológica. Em 587 a.E.C, Yehudah foi devastada pela segunda vez (a primeira tinha sido em 598). O Beit Hamkdash (Templo da Santidade) foi destruído. A falsa esperança divulgada na época, de que o Eterno protegeria Yerushalaim em toda e qualquer circunstância foi desmascarada, e milhares de pessoas foram exiladas, conforme pode ser lido também em Yirmeyahu (Jr) 52:28-30. Dos capítulos 40-55 de Yeshayahu, o autor se dirige aos exilados abatidos.
Embora o Eterno os houvesse castigado pelas transgressões e idolatria, conforme haviam sido advertidos tantas vezes, ele ainda os amava. O povo podia confiar no Eterno, desde que voltassem ao caminho correto. O Eterno, diferente dos outros deuses tinha o poder de ajudá-los e sempre cumpre suas promessas. Isso é verdade até hoje! Este conjunto de capítulos onde 54 está inserido, estão repletos de esperança e consolo, por isso são conhecidos como “O Livro da Consolação de Yisrael”. Eles também vislumbram uma realidade profética que transcende ou ultrapassa em muito as circunstâncias de Yisrael do século 6 a.E.C. Os capítulos anteriores falavam de um rei que havia de vir, da descendência de David, isto é, o messias Rei. No entanto, estes capítulos falam de um “servo” futuro que realizaria os propósitos do Eterno, tendo que pagar um alto preço para isso, ou seja, fala do messias “Servo sofredor”. Sabemos que as duas partes de profecia falam do messias filho de David e do messias filho de Yosef, e sabemos que não são dois messias, mas um e apenas um que cumpre os dois papéis. O ponto de interseção entre os dois é justamente o que faz com que seja a mesma pessoa agindo em tempos diferentes, um tempo no futuro próximo da profecia, falando do messias sofredor, e outro tempo no futuro distante, com o retorno do servo sofredor como messias filho de David, o Rei.
Agora que entendemos um pouco do contexto histórico, vamos desenvolver mais o contexto profético observando a mulher cativa e a esposa abandonada no tempo.
1. A mulher cativa e a esposa abandonada
Nesta parashá, em Devarim 21, o soldado é instruído a não tomar a mulher cativa por impulso, isto é, não consumar sua união com ela sem antes observar alguns requisitos prescritos pelo Eterno, e um deles é dar-lhe um tempo de transformação e luto pela perda dos seus parentes. Somente depois que ela tivesse plena consciência de tudo a união poderia ser consumada. Isto exigia paciência da mulher para chorar sua amargura e tristeza, mas principalmente do homem, para aguardar o tempo certo da aceitação da mulher em se unir a ele.
Da mesma forma, em Yeshayahu 54, Yisrael aparece como a esposa abandonada, estéril por não ter tido filhos, ferida pela vergonha do exílio, mas que será acolhida novamente pelo seu marido. A profecia amplia a visão mostrando a complexa situação da mulher, que é um apontamento para os remanescentes da casa de Yisrael e de alguns gentios aproximados, que estavam vivendo em outros povos, mas foi recolhido pelo rei vencedor. E lhe é dito para deixar de lado a tristeza e a amargura e cantar e gritar de alegria pela restauração e aproximação com o Eterno.
Ambas as imagens revelam que o amor verdadeiro não se baseia na pressa ou no instinto, ou seja, não é no nosso tempo e nem do nosso jeito, mas respeitando o processo de transformação no tempo do Eterno. Na hora certa tudo acontecerá, e na verdade, muito já está acontecendo. Assim como a mulher cativa passa por um tempo de luto antes de ser recebida, Yisrael passa pelo exílio e pela disciplina antes de experimentar a restauração. Observe o seguinte verso: “Porque o teu Criador é o teu marido; HaShem Tzevaot é o seu nome; e o Santo de Yisrael é o teu Redentor.” Yeshayahu 54:5. O que nos leva ao segundo tópico, a respeito do messias como esposo profético.
2. O Messias como esposo profético
O Eterno é incorpóreo e indivisível, e por isso não pode ser literalmente marido no sentido humano. Mas, nas profecias, Ele tem se colocado como esposo de Yisrael para expressar resgate, intimidade, compromisso e amor eterno. O Mashiach, como representante do Eterno, por ser humano, cumpre esse papel terreno de conduzir o povo de volta à aliança.
Assim como Hoshea foi chamado pelo Eterno a viver, simbolicamente a dor e a restauração de um casamento, também o Mashiach representa esse vínculo: ele é o noivo que vem buscar a noiva desgarrada. Conforme podemos ver nos seguintes textos na visão de Yochanan conhecida como Apocalipse:
Regozijemo-nos! Vamos nos alegrar e dar-lhe glória! Pois chegou a hora do casamento do Cordeiro, e a sua noiva já se aprontou. Ap 19:7.
Vi a cidade santa, a nova Yerushalaim, que descia do céu, da parte do Eterno, preparada como uma noiva adornada para o seu marido. Ap 21:2
Um dos sete anjos que tinham as sete taças cheias das últimas sete pragas aproximou-se e me disse: “Venha, eu lhe mostrarei a noiva, a esposa do cordeiro.” Ap 21:9
Esses textos mostram que profeticamente o messias, o cordeiro, é o representante do Eterno, e que o termo noivo ou marido é um apontamento profético para o messias que o Eterno escolheu, e o que acontecerá no futuro. Ele não força, não invade, mas espera que ela faça teshuvah, que abandone os ídolos e volte ao lar. Veja: “Desposar-te-ei comigo em justiça, em juízo, em benignidade e em misericórdias.” Hoshea 2:19.
Profeticamente, isso aponta para a restauração de Yisrael e Yehudá, mas também para a inclusão de pessoas das nações que, deixando suas antigas práticas, passam a ser parte da casa do Eterno, obedecendo aos seus mandamentos e seguindo os passos do messias, como a mulher cativa que abandona seus adornos e se torna esposa dentro de Yisrael, seguindo o marido que a resgatou. E isso nos encaminha ao próximo ponto.
3. A alegria da esposa redimida
O clímax da profecia em Yeshayahu 54, conforme lemos, é a alegria da esposa que antes era estéril, solitária e rejeitada, mas agora é mãe de muitos filhos e cheia de honra. Essa é a alegria da esposa redimida: saber que a vergonha passou, que a rejeição foi temporária, e que a aliança de paz será eterna. Observe o seguinte verso: “Ainda que os montes se retirem, e os outeiros sejam abalados, contudo a minha bondade não se apartará de ti, nem o pacto da minha paz será removido, diz HaShem, que se compadece de ti.” Yeshayahu 54:10. A congregação nazarena, depois de resgatada e do tempo de espera passado, passa a ter alegria de pertencer ao povo e servir ao Eterno.
Essa alegria não é apenas para Yisrael histórico que voltou do exílio babilônico, e nem apenas para a Casa de Yisrael espalhada pelas nações desde 722 a.E.C, mas também para cada geração do povo do Eterno, inclusive para aqueles das nações que se unem ao pacto. O Messias chama todos para serem parte da noiva fiel, não por força, mas por amor, paciência e transformação, ou seja, a obediência é primordial. Assim, para que essa alegria possa ser concretizada na vida dessa mulher, isto é, das pessoas que formam a congregação nazarena, é preciso que se aproximem do Eterno através de atender o chamado do messias, o enviado do Eterno e da aceitação das condições estabelecidas. O resultado dessa aceitação é a alegria de viver a eternidade com o Eterno.
Sendo assim, concluindo nosso estudo, vimos que o mandamento da mulher cativa em Devarim 21 parecia estranho, mas, na verdade, é um retrato da sabedoria do Eterno: não basta conquistar por fora, é preciso conquistar o coração. Da mesma forma, o Eterno conquista Yisrael não pela força, mas pelo amor paciente e transformador.
Yeshayahu 54 nos mostra a esposa redimida, restaurada da vergonha para a honra, da esterilidade para a frutificação, da rejeição para a aliança eterna. Esse é o destino de Yisrael, de Yehudah e também das pessoas oriundas das nações que se unem ao Eterno por meio do testemunho do messias e fazem teshuvah.
O Mashiach, como noivo profético, convida todos a esse casamento. E nós, como esposa, somos chamados a responder com fidelidade, gratidão e alegria. Veja:
O ruach e a noiva dizem: Vem! E todo aquele que ouvir diga: Vem! Quem tiver sede, venha; e quem quiser beba de graça da água da vida (Torá). Ap 22:17.
Portanto, vivamos como a esposa redimida, com alegria, santidade e confiança firme nos mandamentos do Eterno. Quem ama o Eterno segue os seus mandamentos, e a alegria da esposa é saber que nunca mais será abandonada.
Que o Eterno os abençoe e até o próximo estudo!
Moshê Ben Yosef