Outro dia, eu ouvia um debate teológico pelo rádio, enquanto
dirigia para o trabalho. Eles estavam discutindo a respeito da palavra de Deus ser
imutável ou não, e um dos pastores que estavam debatendo falou algo que
martelou em meus ouvidos. Isso me levou a desejar estudar com mais cuidado o
assunto, e olhar com mais atenção para o texto bíblico dentro do contexto
original, ou seja, como os apóstolos e discípulos do primeiro século entendiam
o assunto.
O
debatedor em sua fala mencionou sobre alguns cristãos estarem dando ênfase
demasiada na obediência às leis escritas no Velho Testamento, e repare que ele
disse “Velho Testamento” mesmo. Ele afirmou, utilizando o texto aos Gálatas
5.1, que “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres. E por
isso não deveríamos nos colocar novamente debaixo do jugo da escravidão”. Ele afirmou
isso no contexto em que vários mandamentos e estatutos do chamado Antigo
Testamento, deveriam ser deixados de lado, porque a graça os teria anulado.
Infelizmente, um pensamento, tipicamente cristão e altamente antinomista.
Entretanto, olhemos para o texto sobre o qual o referido
pastor tomou por base da sua argumentação. A epístola de Paulo aos Gálatas, no
capítulo 5, verso 1, na versão da Bíblia Judaica Completa de David H. Stern,
diz o seguinte:
“O
Messias nos soltou para a liberdade! Portanto, permaneçam firmes e não se
deixem atar novamente a um jugo de escravidão.”
Normalmente usa-se um versículo para comprovar um ponto de
vista, mas isso não é o correto a se fazer. O Rabino Shulam, um judeu
messiânico, ensina que, “quando estivermos estudando as Escrituras, a nossa
busca deve ser segundo a instrução que ela nos dá, e não para procurar
doutrinas”, ou mesmo pontos de vista, pois as Escrituras têm seu próprio ponto
de vista muito bem claro. Por isso, a maioria dos cristãos acaba entendendo
errado muitas partes das Escrituras Sagradas, e principalmente as cartas de
Paulo, porque usam seus textos isoladamente para comprovarem suas doutrinas e
não seguindo seus contextos e verdades próprias. Devemos, portanto, procurar o
verdadeiro sentido da passagem, precisamos analisar todo o seu contexto, e mais
ainda, como ele era entendido quando foi escrito.
Ao lermos os textos dos capítulos anteriores ao capítulo 5,
poderemos perceber que o apóstolo Paulo está falando de salvação pela fé no
Messias, está dizendo que antes da salvação o homem era escravo da natureza
pecaminosa, veja o que ele diz em Gl 4.8:
“No
passado, quando vocês não conheciam a Deus, serviram como escravos a seres que
na realidade não são deuses.”
O
apóstolo está falando dos crentes não judeus, que antes de conhecerem a Yeshua,
eram idólatras, entre outras coisas. Com isso, podemos perceber que o contexto
desses capítulos é a justificação e a libertação que o Messias trouxe àqueles
que depositam sua confiança nele. O apóstolo não está de maneira nenhuma, colocando-se
contra a Lei de Deus, ou dizendo que ela foi abolida, conforme aquele debatedor
do rádio estava demonstrando. Ao contrário disso, ele está dizendo que a
observância legalista dela não traz nenhum benefício. Se lermos essa carta com
cuidado poderemos entender perfeitamente o assunto tratado em seu escopo.
O
fato é que apareceram algumas pessoas que se diziam verdadeiros crentes em
Yeshua, mas seus verdadeiros objetivos eram escusos. É o que Shaul chama de
outro evangelho, ou de evangelho falso, como podemos ver:
“Estou
estarrecido com o fato de vocês terem me trocado tão rapidamente, àquele que os
chamou pela graça do Messias, por outras supostas “boas-novas”, que não são
boas-novas de forma nenhuma! A realidade é que certas pessoas estão aborrecendo
vocês e tentando perverter as genuínas boas-novas do Messias...” (Gal 1.6-7).
Note que Shaul (Paulo) está repreendendo os crentes da
Galácia por terem-no rapidamente trocado por outros mestres, que vieram lhes
trazendo ensinamentos diferentes acerca da justificação. Entretanto, tais
ensinamentos não eram apenas idéias diferentes das que ele tinha ensinado, mas
deturpadas e contrárias à verdade contida nas Escrituras que o apóstolo lhes
tinha apresentado. A verdade é que “evangelho ou boas-novas”, só são
verdadeiras se forem de Cristo, qualquer outra mensagem será falsa, e é isso
que ele passa através de seus textos.
Agora,
para uma boa compreensão do contexto, é necessário que possamos distinguir, o
que é essa observância legalista da lei. Uma vez que dizemos que a carta fala
da justificação pela fé em detrimento das obras da lei, necessitamos entender
isso de forma correta. David H. Stern, em sua obra Comentário judaico do Novo
Testamento, define como “legalismo o falso princípio de que Deus concede
aceitação às pessoas, considerando-as justas e dignas de estarem em sua
presença, com base na obediência delas a um conjunto de regras, e isso à parte
de colocarem sua confiança em Deus, sujeitando-se aos cuidados dele, amando-o e
aceitando o seu amor por elas.” É fácil entender o que é legalismo, quando
percebemos que Paulo queria dizer que legalismo é uma prática meramente
ritualística, sem princípio verdadeiro nas Escrituras, como invenções e
práticas humanas criadas a partir das leis ou mandamentos, com a clara intenção
de alcançar a justificação por meio delas. É contra isso que o apóstolo estava
falando, e não contra os mandamentos ou leis em si mesmos. Paulo estava
pregando contra aqueles que insistiam que os gentios que reconheciam Yeshua
como messias deveriam guardar os ritos da lei, acerca da circuncisão, para
serem justificados.
Então,
quando vemos algumas pessoas falando sobre judaizar a igreja, percebemos que na
verdade não sabem o que isso significa, pelo fato de terem entendido o texto de
Paulo de forma errada. Judaizar é na verdade, conforme os textos que estamos
lendo, exigir que um não judeu, obedeça a certas leis e mandamentos que são
para os judeus, a fim de que possam ser justificados. Que era o que aquelas
pessoas estavam fazendo com os gálatas. Exemplo disso é o que Paulo fala nessa
carta sobre a circuncisão, que é para os judeus de sangue. Os gentios que se
aproximam do povo de Deus, não precisam se circuncidar, conforme também tiramos
de Atos 15. Porém, há mandamentos que devemos sim, cumprir porque são para
todos, e a Palavra de Deus também.
Sendo
assim, a liberdade que o apóstolo está falando no capítulo 5, não se trata de
estar livre para não obedecer às Leis de Deus, mas liberdade da escravidão do
pecado, da condenação advinda dele, que é mencionada no capítulo 4, por isso
ele fala de justificação pela fé e tentativa de justificação por cumprir a
circuncisão. Veja os versos 13 a 15:
“Porque,
irmãos vocês foram chamados para serem livres. Apenas não permitam que a
liberdade se transforme em desculpa para darem margem à sua velha natureza. Ao
contrário, sirvam uns aos outros em amor. Porque a Torah toda é resumida em uma
frase: “Ame o próximo como a si mesmo”. Mas se vocês se morderem e arrancarem
pedaços uns dos outros, cuidado: vocês acabarão se destruindo!”.
O
foco do autor é combater a velha natureza e não o cumprimento das leis de Deus.
Até porque as leis de Deus são santas, justas e boas, conforme o apóstolo Paulo
fala em Romanos 7.12. E se são boas, porquê as combateria, afinal? Isso
comprova para nós a falibilidade dessa teologia ensinada e pregada, nas
igrejas, nos rádios e nas tv’s. Uma teologia sem o contexto correto das
Escrituras, uma teologia verdadeiramente sem as Escrituras, pois se estudassem com
sinceridade, humildade e verdade, poderiam perceber seus erros, assim como
também um dia eu e muitos outros que agora abraçam a visão da restauração
perceberam.
Finalmente,
ao ler o texto em estudo, precisamos descobrir que o Eterno, está transmitindo,
através de seu Ruach (Espírito), pelas escritas de Paulo, que a liberdade dada
pelo Messias, primeiramente para os judeus que creem nele, e a nós que éramos gentios
e fomos enxertados pela fé no testemunho dele, conforme Rm 11 é para vivermos
verdadeiramente como filhos que entendem sua responsabilidade no reino de seu
Pai. Ele quer transmitir que a liberdade recebida não pode nos conduzir de
volta ao pecado e à carnalidade, e que por meio da fé no testemunho de Yeshua,
temos agora condições de obedecer às leis e mandamentos, porque fomos salvos, e
não para sermos salvos através delas. Por esse motivo devemos voltar às raízes
da nossa fé e ao contexto original das Escrituras.
Que
Adonai lhes abençoe a todos.
Restauração
já
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