Estudos da Torá
Parashá nº 22 – Vayak’hêl (E reuniu/ajuntou)
Shemôt/Êxodo Ex. 35:1-38:20,
Haftará (Separação) 1Rs 7:13-26, 40-50, e
B’rit Hadashah (Nova Aliança) Mc 9:1-50
1 - INTRODUÇÃO
Inicia-se com Moshê reunindo toda a nação de Israel para transmitir-lhes tudo aquilo que D'us lhe ordenara sobre a construção e a montagem do Mishkan nas três porções prévias da Torá.
Entretanto, Moshê primeiro os adverte novamente sobre a mitsvá fundamental de guardar o Shabbat, lembrando-os que embora a construção do Mishkan seja de importância transcendental, não tem precedência sobre a observância semanal do Shabbat. Apenas um dia antes, em Yom Kipur, Moshê desceu do Monte Sinai com o segundo conjunto de Tábuas nas mãos, informando ao povo que eles tinham sido perdoados por D'us do horrível pecado de adorar o bezerro de ouro. Em resposta ao chamado de Moshê, os Filhos de Israel vieram com contribuições generosas para a construção do Mishkan, produzindo uma abundância de suprimentos.
Os artesãos são escolhidos e inicia-se a construção, e a Torá descreve em detalhes a fabricação de cada aspecto do Mishkan.
2 – ESTUDO DAS PALAVRAS
Vimos desde três parashiot (porções) passadas que a Torá vem tratando da construção do Mishkan (tabernáculo). Vem falando para Moshê levar ao povo de Israel cada palavra do Eterno. No entanto, nessa porção acontece algo que nos leva a parar e refletir sobre o texto. No primeiro verso dessa porção o Eterno interrompe as ordens da construção do Mishkan e fala sobre a prioridade do Shabbat (Descanso) em relação aos trabalhos relacionados à construção do tabernáculo. E é sobre isso que estudaremos.
“Moshê reuniu toda a comunidade dos filhos de Israel e lhes disse: “Isto é o que o Eterno ordenou a fazer. Todo o trabalho deve ser feito em seis dias, mas o sétimo dia deverá ser para vocês um dia sagrado, um shabbat de descanso absoluto em honra do Eterno. Quem realizar qualquer trabalho nesse dia será executado. No shabbat, não acendam fogo em seus lares””. (Ex 35:1-3)
Os antigos entendem que esta porção começa um dia depois de Moshê ter descido do Monte Sinai, com as segundas tábuas das dez palavras. Eles dizem que aquele dia em que ele desceu do Monte era Yom Kipur, e que no outro dia reúne o povo, homens, mulheres e crianças, para dizer-lhes que HaShem havia ordenado iniciar a construção do Mishkan (tabernáculo). Segundo o Midrash, nós sabemos muito sobre o Mishkan, pois viemos estudando sobre ele desde semanas atrás. Já os filhos de Israel, naquele dia, nada sabiam sobre ele ainda, pois Moshê somente os instruiu sobre isso após o Yom Kipur.
O Midrash ainda diz que Moshê anunciou ao povo que o Eterno os havia perdoado por fazerem o bezerro de ouro, e que sua Shechiná (presença) permaneceria novamente entre eles, no Mishkan, a tenda que eles deveriam construir. É dito pelos antigos que o júbilo entre os filhos de Israel foi enorme, com a notícia, uma vez que desde o ocorrido com o bezerro de ouro eles tinham estado muito tristes, devido a ausência do Eterno entre ele.
No entanto, Moshê adverte que o Shabat deveria ser respeitado, e antes mesmo de dar as instruções sobre a construção do Mishkan, o Eterno lhe pede para advertir ao povo. Embora a construção do Mishkan seja um trabalho sagrado, sempre devem interrompê-lo antes que comece o Shabat.
Assim, Moshê reúne o povo e fala, segundo a ordem do Eterno, sobre o shabat, antes de começar a obra do tabernáculo (Mishkan), repetindo a importância desse dia, a fim de que fique claro que o mandamento do shabat tem prioridade até mesmo sobre a construção do Mishkan.
Como percebemos até aqui, Moshê toma uma atitude, a de ajuntar o povo e passar as palavras do Eterno. Sobre isso o site ShemaYsrael diz que, quando Moshê fala ao povo, deixa claro que o que estavam recebendo naquele momento não são meras palavras que devem ser esquecidas ou negligenciadas. Veja que o site continua mostrando que Moshê diz “…Estas são as palavras que o Eterno ordenou que se cumprissem” e o termo traduzido por “palavras” em hebraico vem da raiz “davar” e significa “falar, declarar, conversar, ordenar, prometer”. Mas, quem havia dito “estas palavras”? Nossa tradução nos fala de “Senhor”, mas o hebraico nos informa que quem disso isso foi HaShem – o tetragrama. O Eterno agora se tornara para seu povo um Legislador que trazia sobre eles ordenanças (ordenou) que em hebraico é tsawa, e significa “ordenar, incumbir”. A raiz da palavra designa a instrução de um pai para seu filho; de um fazendeiro a seus lavradores; de um rei a seus servos. Aqui fica claro que o Eterno torna-se para o povo de Israel seu legislador e que lhes trará a partir de agora um “reforço” em sua Palavra, pois veremos que aquilo que o Eterno dirá ao povo já foi dito anteriormente, mas Ele volta a novamente instruir seus filhos a fim de poderem continuar a andar no caminho correto diante do Senhor!
Acerca do verso 1 dessa porção, o comentário da Torá da Editora Sefer nos diz que, o Midrash atribui a Moshê a instituição do costume dos israelitas de se juntarem após a reza no templo ou na casa de um correligionário, principalmente no dia de sábado, para discutir sobre o trecho da Torá lido na casa de oração, sobre alguma passagem do Talmud, do Midrash, ou pelo menos para ler Salmos. (Página 271)
Encontramos ainda no comentário da Torá, que Moisés reuniu o povo, e começou a ensinar-lhes as leis do shabat, pois parece ter-lhe dito o Eterno: “Adote este costume de fazer reunir o povo, a fim de ensinar-lhe as regras de sua conduta e inspirar-lhe o amor pela Torá. Essas reuniões servirão de modelo para as futuras gerações. Assim, a luz não se apagará em Israel e Meu nome será glorificado de geração em geração.” (Midrash Ialcut 408).
Até este momento do relato da Torá, as ordens de HaShem estavam sendo transmitidas ao povo, eles ainda não tinham iniciado a construção do Mishkan (tabernáculo). Veja que no verso 20 toda a comunidade sai da presença de Moisés e retornam para seus lugares, suas tendas, e começam a trazer as ofertas que haviam sido mencionadas na parashá Terumá (Ex 25:1-27:19), e é relembrada no verso 4 em diante dessa porção.
Agora, quando olhamos para este texto que estamos estudando reparamos que o Eterno antes de permitir o povo começar a obras do Mishkan (tabernáculo), repete a importância do Shabbat, para que fique bem claro, que o mandamento do Sábado tem prioridade até sobre a construção do tabernáculo. O que o Eterno queria, era que o povo fixasse em sua mente o entendimento do princípio do mandamento. Que o Shabbat é mais importante que aquela obra, mostrando assim, que o homem tem que se fixar mais na sua tarefa de obedecer ao Eterno enquanto vive, isto é, no seu caminhar, do que em outras coisas paralelas, mesmo que essas digam respeito a coisas sagradas. Veja o que diz Yeshua a esse respeito em Mt 19:16-22:
“Eis que alguém se aproximou de Yeshua e lhe perguntou: "Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna? "Respondeu-lhe Yeshua: "Por que você me pergunta sobre o que é bom? Há somente um que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos"."Quais?", perguntou ele. Yeshua respondeu: "‘Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe’ e ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo’".Disse-lhe o jovem: "A tudo isso tenho obedecido. O que me falta ainda? "Yeshua respondeu: "Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me".Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.”
Repare que a resposta de Yeshua para “como fazer para herdar a vida Eterna?” é, “obedecer aos mandamentos”. E a pessoa pergunta quais mandamentos. Yeshua então começa a mencionar os mandamentos que são relacionados ao homem com o seu semelhante, os que estão em uma das tábuas que o Eterno entregou a Moshê. Isso porque os mandamentos que são relacionados ao homem com Deus são considerados indiscutíveis, pois são totalmente absolutos. Sendo assim, obedecer ao Eterno é mais importante, pois se o amamos o obedecemos:
“Porque nisto consiste o amor a Deus: obedecer aos seus mandamentos. E os seus mandamentos não são pesados.” 1Jo 5.3
“Respondeu Yeshua: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra. Meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos nele morada. Aquele que não me ama não guarda as minhas palavras. Estas palavras que vocês estão ouvindo não são minhas; são de meu Pai que me enviou.” Jo 14:23 e 24
Voltando à questão do trabalho, repare que o ser humano sente-se realizado no seu trabalho, quando produz algo, e especialmente se pode fazer algo para o Eterno. E ele pode valorizar tanto o seu trabalho, que corre o risco de esquecer as prioridades maiores, como a esposa e a família. E neste caso, os filhos de Israel corriam o perigo de esquecer o mandamento de HaShem por causa da sua devoção à obra do Eterno. Esta, infelizmente é uma tentação em todo o obreiro de HaShem, esquecer o Eterno para dedicar-se à Sua obra. Muitos estão dedicando tanto tempo a estudar comentários sobre as Escrituras e aos trabalhos da congregação que lideram, que acabam por esquecer-se de ter comunhão com o próprio D’us, e até mesmo de cuidar de sua família, principalmente pelo exemplo de uma vida justa. E neste caso específico, o remédio contra isso é colocar o Shabbat como prioridade em relação aquela obra. No Shabbat o obreiro para o seu trabalho e dedica-se à oração, ao estudo da Torá e à sua família, ajudando-o a manter a sua relação principalmente com o Eterno, mas também com sua família.
Certa vez, um estudante rabínico procurou o rabino Ben Tizion e alegou que não podia comprar para a esposa um vestido novo porque dedicava todo seu tempo ao estudo da Torá. Nesse caso, disse o rabino, "feche seu tamuld, arranje um trabalho e vá comprar o que sua mulher precisa. Esse é um dos termos da ketubá (contrato de casamento) a obrigação do marido prover sua esposa. No hebraico "casar e carregar" é a mesma palavra “lasset”. Quando um homem casa é seu trabalho carregar (sustentar) a esposa.
Então, continuemos falando sobre Shabat! O que significa essa palavra?
Em hebraico “Shabat” significa repouso, descanso. Ela sempre vai se remeter a repouso, e não ao sétimo dia em si, embora ambos estejam ligados, pois no sétimo dia será shabat. Basta olharmos os textos bíblicos, tanto da Torá, como dos profetas, e até mesmo os escritos do chamado Novo Testamento para compreendermos que se refere ao ato de descansar no sétimo dia.
No comentário da Torá diz o seguinte sobre a criação do Shabbat pelo Eterno:
“Antes de formar, no sexto dia, o homem, o ser mais importante da Criação, Deus preparou-lhe o máximo de conforto e felicidade. O sol, a lua e as estrelas para iluminar o seu caminho; as flores para gozar de seus perfumes; os pássaros para entoar-lhe os seus cânticos harmoniosos, e todos os bens da terra para desfrutar deles segundo seu desejo. Faltava dar-lhe o exemplo do Shabbat (Descanso), o dia em que deveria dedicar-se ao repouso do corpo e da alma, ao regozijo e à elevação do seu espírito. “E Deus descansou, abençoou e santificou o sétimo dia”.
Em outro comentário diz que, a observância do Shabbat é o sinal que testemunha que o Eterno é o Criador do Universo e que completou Seu trabalho no sétimo dia. Nós, entretanto, devemos abster-nos de todo trabalho criativo no sábado para demonstrar que não somos os donos deste mundo, mas somente os servidores de D’us para cumprir Seus mandamentos.
A observância do Shabbat é importante para que possamos reconhecer o Criador, e para demonstrar para as pessoas que somos servos do Eterno que criou todas as coisas (Ex 20:8-11; Ex 31:12-18; Lv 23;1-3; Is 56:2; Is 58:13). E podemos perceber isso em passagens do chamado Novo Testamento que são muito mal interpretadas, por falta de conhecimento do contexto judaico das Escrituras, em que muitas pessoas afirmam que Yeshua anulou os mandamentos, mas é justamente o contrário. É preciso que olhemos para esses textos com olhares corretos (Mc 2:23-28; Mc 12:12; Mc 6:2; Jo 7:23; Jo 9:14 (lodo); At 16:13; At 17:2 (Paulo tinha costume).
É interessante observar a importância do dia de descanso para a vida dos servos do Eterno. Note que segundo alguns sábios do povo de Israel, o tempo é representado pelo Shabat. Todos os dias da semana estão vinculados ao Shabat. Veja que Domingo, segunda e terça-feiras estão ligados ao Shabat anterior e quarta, quinta e sexta-feiras estão ligados ao Shabat posterior.
O Rabino Isaac Dichi, em sua obra Nos Caminhos da Eternidade, afirma que ao cumprir o Shabat conforme as regras que a Torá prescreve, o povo testemunha que o Todo Poderoso criou o mundo em seis dias e no sétimo se absteve de criar. Os sábios de Israel, de acordo com o rabino, o final da semana, do mês e do ano devem ser períodos dedicados a um balanço espiritual, ou seja, ele mostra que devemos a cada Shabat avaliar nossa vida de obediência aos mandamentos do Eterno.
Quando Yom Teruá – Dia das Trombetas, se aproxima, o indivíduo começa a meditar sobre suas atitudes, tentando eliminar seus maus hábitos, para se aproximar mais e mais da Torá e de suas mitsvot na prática, e consequentemente ao Eterno. Assim, é também no êrev Shabat – início de Shabat. Da mesma forma que o indivíduo se prepara para o Shabat, banhando-se e trocando suas vestimentas do dia a dia, assim também deve se expurgar das más atitudes que eventualmente tenha feito durante a semana. Deve vestir-se espiritualmente de maneira adequada, libertando-se das manchas do pecado, da mesma forma que fez com as roupas diárias.
O livro “Divrê Shemuel” traz um exemplo expressivo para transmitir o sentido do início (entrada) do Shabat: Um indivíduo estava em uma estrada em um dia de muita chuva, com frio, molhado, com fome, sede e sem saber o que fazer.
De repente surge em seu caminho uma hospedaria, onde, para sua alegria completa, encontra tudo o que precisa – uma lareira para se esquentar, água quente para se banhar, a possibilidade de trocar suas roupas molhadas e uma alimentação adequada.
Assim é o Shabat para nós. Depois de uma semana de trabalho intenso e cansativo, chega o Shabat para nos reanimar e para nos revigorar, para podermos prosseguir o nosso caminho.
Exemplo semelhante encontramos no midrash. Ele conta que um homem estava se afogando em alto-mar e de repente percebeu a aproximação de uma embarcação. De dentro lhe jogam uma corda, dizendo para segurar firme. Disseram também que durante todo o tempo em que a estiver segurando, não se afogará.
Assim é o Shabat; os dias da semana são semelhantes a um oceano, com altas ondas e no Shabat o Todo-Poderoso nos estende uma corda. Ao nos ligarmos a esta corda, temos condições de sobreviver.
Ainda falando sobre o Shabat, vamos agora tratar um pouco sobre o mandamento de não acender fogo nesse dia. Vejamos o que diz o texto:
“Não acendereis fogo em nenhuma das vossas moradas no dia do sábado.” Ex 35:3
Como já dissemos em estudos anteriores este preceito ou mandamento pertence à categoria das leis chamadas “Chukim”, ou seja são leis as quais a Torá não explica a razão delas existirem.
Encontramos um interessante comentário no estudo dessa parashá no site Emunah a fé dos santos, ele diz que a razão pela qual não se pode acender fogo no Shabbat é que o fogo intervém na criação, alterando os elementos. O homem não tem o direito de intervir na criação no Shabbat para assim reconhecer que está submetido ao Criador. A palavra hebraica que fora traduzida como “acendereis” é “baar” que significa “arder”; “acender-se”; “incendiar-se”; “queimar-se”. A pessoa que faz tal coisa viola o Shabat. No entanto, se alguém viver em um local gélido, onde é necessário acender, o que deverá fazer? Morrer de frio? Claro que não! Neste e em casos similares, é permitido acender fogo, porque os mandamentos foram dados para vida, não para morte, como lemos em Lv 18:5
“Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; os quais, observando-os o homem, viverá por eles. Eu sou o Eterno.”
Pense bem, se alguém morre por causa de um mandamento, não cumpriu o propósito do mandamento que é dar vida. É permitido quebrar todos os mandamentos para preservar a vida humana, excepto três mandamentos, porque a vida humana tem prioridade sobre os mandamentos. Os três mandamentos que não se podem violar ainda que tenhamos que dar a nossa vida por causa disso são: Não praticar a idolatria, não assassinar e não cometer adultério.
E talvez, possamos colocar junto a esses três mandamentos que não podemos quebrar, mais uma coisa. Com a vinda do Messias e sua vida justa, vivida para nos ensinar a Torá limpa de tradições humanas, talvez possamos acrescentar o fato de não negá-lo como Messias de Israel e como aquele que trouxe a salvação do Eterno a quem o seguir obediente a HaShem.
É preferível morrer do que quebrar um desses mandamentos ou negar ao messias. Logo, se uma pessoa corre perigo de adoecer por não acender fogo no Shabat, é permitido fazê-lo, porque a enfermidade é um prenúncio/primogênito da morte e atenta contra a vida humana, conforme podemos ler em Jó 18:13.
Que possamos nos lembrar e guardar o shabat, e junto com ele, cada mandamento do Eterno que cabe a nós.
Que o Eterno lhes abençoe!
Por: Pr. Marcelo Santos da Silva (Marcelo Peregrino Silva)