Estudos da Torá
Parashá nº 39 – Chukat (Regulamento)
Bamidbar/Números 19:1-22:1
Haftará (separação) Jz 11:1-33 e
B’rit Hadashah (Aliança Renovada) Jo 3:9-21; 4:3-30
Yeshua e a serpente de bronze: Cuidado com a idolatria.
Neste estudo da parashá Chukat, vamos mergulhar na narrativa da serpente de bronze, um episódio que tem sido amplamente distorcido por interpretações humanas que colocam a ênfase no objeto ou na figura do intermediário, ao invés da verdadeira fonte de cura e salvação: o Eterno. Infelizmente, a teologia cristã tem tomado esse episódio e, com base em ideias fora das Escrituras, atribuído a Yeshua, ou melhor, a JC, um papel e uma natureza que ele mesmo nunca reivindicou. Por isso, este estudo visa restaurar a compreensão verdadeira segundo o Tanakh e os próprios ensinamentos do Mashiach, revelando que é a obediência e confiança no Eterno que salva, não o objeto, nem o homem ou o símbolo.
RESUMO DA PARASHÁ DA SEMANA
A porção Chukat (חֻקַּת), a parashá desta semana, está repleta de lições profundas sobre obediência, purificação, disciplina e fidelidade ao Eterno, mesmo diante de provações e perdas. É uma porção cheia de dor e revelações, mas também de esperança para os que se mantêm firmes.
Logo no início da porção, o Eterno dá uma chukat, ou seja, uma instrução que não se explica por lógica humana. É sobre a novilha vermelha (pará adumá), cuja cinza misturada à água servia para purificação daqueles que tocaram em cadáveres. Isso nos ensina algo poderoso, pois a impureza pode ser removida pela obediência, mesmo sem entendermos tudo. A pureza diante do Eterno não vem da lógica humana, mas da submissão à Sua Palavra.
O próximo relato da parashá mostra quando o povo clamou por água, e o Eterno diz a Moshê para falar à rocha, diferentemente da primeira vez, vista em Shemot 17:4-7, quando HaShem determina que ele ferisse a rocha. Mas em vez de falar, Moshê bate na rocha com seu cajado, e por isso, tanto ele quanto Aharon são impedidos de entrar na terra prometida. Uma lição dura, que mesmo os maiores líderes não estão acima da obediência às instruções do Eterno.
Por determinação do Eterno, Moshê acompanha Aharon e sobe ao monte Hor, onde tira suas vestes, e ali é recolhido. O povo chora por trinta dias. Isto representa o fim de uma era. Uma geração está morrendo no deserto, para que outra possa nascer livre da escravidão do Mitsrayim e apta a confiar no Eterno.
O povo murmura novamente e como punição o Eterno envia serpentes ardentes que os atacava. Por conta disso muitos morrem. Então Moshê é instruído a fazer uma serpente de bronze e colocá-la sobre uma haste. O Eterno instrui que quem olhasse para ela, seria curado e viveria. Não era o metal, mas o olhar de arrependimento e confiança no Eterno que curava.
Finalizando a porção, vemos a geração nova começar a conquistar territórios. Eles vencem Sihon, rei dos amorreus, e Og, rei de Bashan. A fidelidade do Eterno se cumpre, mesmo que o povo ainda tropece.
ESTUDO DO TEXTO DA PARASHÁ
No deserto, o povo de Yisrael murmurou contra o Eterno e contra Moshê. Em resposta, o Eterno enviou serpentes ardentes que mordiam, e muitos morreram. Quando o povo se arrependeu, o Eterno ordenou a Moshê que fizesse uma serpente de bronze e a colocasse sobre uma haste. Aqueles que haviam sido mordidos e olhassem para ela realmente arrependidos, seriam curados. A tradição cristã vê nesta serpente uma representação de Yeshua, e nesse aspecto há um ponto válido: ela realmente aponta para o Mashiach. Contudo, o erro está na forma como interpretam essa representação, colocando Yeshua como objeto de adoração, o que contraria o espírito das Escrituras, que sempre ensinam que só o Eterno é Salvador, e que todo profeta, inclusive o Mashiach, age em nome e na autoridade do Eterno, nunca por mérito ou divindade própria. Veremos que não é Yeshua que salva, assim como não era a serpente de bronze que curava.
1. Não era a Serpente que Curava, mas o Eterno
A serpente de bronze era um símbolo, um sinal da vontade do Eterno em curar os que estavam verdadeiramente arrependidos. Lembremos que o Eterno olha a kavanáh (intenção) e sabia quem realmente estava arrependido. A própria narrativa bíblica é clara, pois a cura não vinha da serpente de bronze, mas do arrependimento sincero, da teshuvah e da obediência à palavra do Eterno. Se um culpado olhasse para a serpente apenas com dor, mas sem arrependimento, apenas querendo cura, isso não o salvava. O olhar para a serpente era um ato de demonstração de arrependimento, reconhecimento do erro, e submissão à instrução dada por Moshê, servo do Eterno. Como disse o profeta Yeshayahu (Isaías):
Olhai para Mim e sereis salvos, todos os limites da terra, porque Eu sou El e não há outro. Yeshayahu 45:22
Este versículo mostra que o olhar que salva é para o Eterno, não para qualquer objeto ou homem. Um sinal foi dado para que o arrependido pudesse receber a cura divina. Infelizmente, muitos entenderam errado, e tempos depois começaram a adorar aquela serpente. O mesmo ocorre com o messias, que sendo um sinal do Eterno para as pessoas encontrarem o caminho da cura de seus erros, acabou sendo transformado em objeto de adoração. Sendo assim, colocado no lugar do Eterno que é a própria salvação e quem dá a cura.
Encontramos no Tanakh o relato da serpente de bronze sendo destruída séculos depois por ordem do rei Hizkiyahu (Ezequias) porque o povo havia começado a adorá-la, demonstrando como o objeto havia se tornado ídolo:
Ele tirou os altos, quebrou as colunas e cortou o poste-ídolo; fez em pedaços a serpente de bronze que Moshê fizera, porque até àquele dia os filhos de Yisrael lhe queimavam incenso... Melachim Bet/2Rs 18:4
Segundo o comentário de rodapé do Chumash Plaut, há estudiosos que consideram o relato da serpente de bonze etiológica, ou seja, a origem para comprovar a adoração posterior à serpente. Porém, o fato é que neste contexto encontramos apontamentos proféticos para o mashiach, sua missão e propósito, como instrumento da salvação do Eterno, não de ser em si o salvador. Yeshua, o messias, deve ser reconhecido como profeta e servo fiel e justo do Eterno. Por isso, tendo compreendido que a cura não vinha da serpente, mas da obediência e arrependimento diante do Eterno, é necessário refletirmos sobre como esse princípio se aplica à missão do Mashiach.
2. O Papel do Mashiach é Conduzir ao Eterno, Não Substituí-lo
Yeshua nunca disse que era o Eterno, nem exigiu para si adoração. Yeshua reconhecia que era um mensageiro do Eterno, escolhido para fazer a vontade de HaShem. Ele mesmo afirmou:
Não busco a minha própria vontade, mas a vontade daquele que me enviou. Yochanan 5:30
Como todo profeta, o papel de Yeshua era conduzir o povo ao arrependimento, à obediência às instruções do Eterno, e à purificação pela justiça. Ele cumpriu o papel do mestre fiel, não do Salvador em si mesmo, mas como instrumento do Eterno. Da mesma forma que os instrumentos na mão do cirurgião não salvam em si mesmos, mas o médico que as usa. Assim como a serpente de bronze foi apenas o canal pelo qual o povo deveria demonstrar submissão à Palavra do Eterno, Yeshua também foi levantado como sinal de arrependimento, e não como fonte de salvação por si.
Yeshua ensinava a guardar os mandamentos, instruía as pessoas a se voltarem para o Eterno, não a confiar nele como divindade:
Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos. Mattityahu 19:17
Essa semana, publiquei um estudo no canal do YouTube comentando este texto de Mateus, para mais informações, depois assista ao vídeo. Vejamos agora sobre o sério problema da idolatria ao transformar o servo do Eterno em salvador.
3. O Perigo da Idolatria: Transformar o Servo em Salvador
O próprio Tanakh nos alerta contra a idolatria disfarçada. Quando qualquer homem, por mais justo que seja, é colocado no lugar do Eterno de forma a substituir ou igualar Sua autoridade, estamos diante de idolatria.
O profeta Yechezkel deixa claro que nenhum justo pode salvar outro:
Ainda que estivessem ali Noach, Daniyel e Iyov, por sua justiça livrariam apenas a sua própria alma, diz o Soberano HaShem. Yechezkel 14:14
Isso mostra que nem mesmo os mais justos entre os homens podem salvar os outros. A salvação pertence ao Eterno. Por isso, atribuir a Yeshua, ou a qualquer outro, a função de “salvador” no lugar do Eterno é distorcer os fundamentos da confiança firme que devemos ter somente n’Ele. É preciso deixar claro que há uma diferença entre expiar e salvar. Expiar é cobrir ou apagar pecados, que é a desobediência à Torá, e isso pessoas justas podem fazer ao praticar atos de justiça, clamando e levando outros a mudarem de atitudes. Já salvação no contexto original, é um ato distinto do que o pensamento cotidiano religioso do cristianismo tem desta palavra. A palavra em Hebraico que corresponde ao termo salvação é (ישועה – yeshuáh) que vem da raiz (ישע - yasha) que significa salvar, mas esse salvar não é um ato espiritual a fim de levar alguém a algum lugar como o céu, por exemplo. No contexto original do TaNaKh salvar tem contexto de livramento de um perigo real e físico, não da alma no contexto cristão. Se analisarmos alguns textos na Torá e nos profetas perceberemos que ela está ligada à causa, ou seja, não está tratando de alma, mas sim de algo terreno, como o livramento do cativeiro egípcio, por exemplo. E existem muitas referências sobre realizações terrenas. Portanto, a salvação é o ato do Eterno enviar ajuda para que o homem possa encontrar um meio de viver. Isso somente ele pode fazer, por isso os ungidos no decorrer da história do povo do Eterno foram sendo enviados como instrumentos de salvação, não como salvadores, temos exemplos conhecidos como Moshê, Yehoshua Ben Nun e Nechemyah, que conduziram o povo à salvação do Eterno em suas épocas. Isso reforça que o padrão já está estabelecido na história de Yisrael. Eles podiam efetivar a salvação do Eterno para possibilitar as pessoas a serem expiadas e por isso, viverem uma vida nova em teshuvah. Dessa forma, fica claro que só o Eterno salva, e para isso, usa seus instrumentos, e Yeshua Hamashiach foi o instrumento mais perfeito que HaShem usou.
Que o Eterno os abençoe e até o próximo estudo!
Moshê Ben Yosef