Estudos
da Torá
Parashá
nº 49 – Ki Tetsê (Quando saíres)
Devarim/Deuteronômio
Dt 21:10-25:19
Haftará
(Separação) Is
54:1-10; e
B’rit
Hadashah (Nova Aliança) Jo
12:1-50.
1
- INTRODUÇÃO
No
resumo da parashá desta semana, vemos que a porção Ki
Tetsê começa discutindo o caso de uma mulher quando capturada por
um soldado judeu durante uma batalha. Pelo resto da Porção, a Torá
continua com uma lista de várias mitsvot cobrindo vasta gama de
tópicos. Relata então os direitos especiais de herança do
primogênito, o caso do filho teimoso, a importância de respeitar-se
a propriedade de outras pessoas, a obrigação de enxotar a ave mãe
do ninho antes de pegar seus filhotes, e que não se deve vestir
shatnez, mescla de lã e linho na mesma peça de roupa.
O
caso da difamação da mulher casada é então discutido, seguido
pela proibição de adultério e outros casamentos proibidos, bem
como a ordem de manter o acampamento do exército como local
santificado. Após mencionar brevemente o divórcio e o requerimento
de um guet (carta de divórcio), a Torá discute o sequestro, a
mitsvá de pagar os trabalhadores no tempo apropriado, e o conceito
da responsabilidade do indivíduo por suas próprias ações.
A
Torá descreve então a consideração especial que deve ser dada a
um órfão e a uma viúva, o casamento levirato e a mitsvá de ser
honesto nos negócios. Esta Porção da Torá conclui com uma
exortação para recordar as atrocidades que a nação de Amalek
cometeu contra nós após o Êxodo.
A
porção Ki Tetsê, é a 49ª porção semanal, e é a 6ª de
Devarim/Deuteronômio. Nela contém 74 mandamentos, abordando os mais
diferentes assuntos que são muito importantes ao nosso conhecimento.
Há leis referentes à guerra, cativos, despojos e até mesmo
aferimento de balanças. Nesta parashá também fala sobre divórcio
e casamentos proibidos. Muito há que se aprender ao se estudar essa
porção, porém não temos espaço aqui para analisá-la na sua
totalidade, veremos apenas uma parte, e no próximo ano mais um pouco
e assim por diante. Mas isso não lhe impede de ler e estudar em sua
casa, e se preciso pesquisar mais sobre o assunto, o que eu
incentivo.
2
- ESTUDO DAS PALAVRAS
O
nome da porção vem descrito nas primeiras palavras no texto
hebraico. “Ki Tetsê” significa “quando saíres”, nesse texto
está trazendo da possibilidade da ida para a guerra. Guerra é uma
palavra que nos assusta e como servos do Eterno e seguidores dos
passos do messias Yeshua, logo pensamos que não podemos participar.
No entanto, esse trecho da Torá quebra alguns tabus em relação a
isso. Veja o que o comentário da Torá diz sobre isso:
A
Torá nos impõe prescrições referentes à guerra. Existem
doutrinas que impedem a guerra aos seus crentes, e existem os que
pretendem permanecer absolutamente neutros e passivos diante de todo
combate, mas não conseguem; ao contrário, caíram nas mãos dos
inimigos. Por essa razão, a Torá determina o dever da autodefesa e
da luta por nossos direitos. É triste ter de recorrer à guerra e ao
derramamento de sangue, mas há momentos em que essa é a única
alternativa e tem de ser feito. A Torá não quer, de modo algum,
negar isto, mas quando a guerra é necessária, deve legislar até
sobre ela. A tática do avestruz que esconde a cabeça é indigna, e
se a guerra for necessária, submeter-se-á aos mandamentos (os
mandamentos da Torá). No caso de guerra, onde todos os maiores
sentimentos humanos são sufocados, a Lei de Moisés impõe
prescrições, porque mesmo na guerra não se pode perder
a consciência do bem. Em primeiro lugar, a Torá ordena oferecer a
paz ao povo inimigo (Dt 20:10); mais adiante (vers. 19), proíbe
destruir as árvores frutíferas ao redor da cidade sitiada, pois a
guerra não deve significar de maneira nenhuma a destruição; e os
primeiros versículos desta parashá tratam das leis relativas aos
direitos dos vencedores israelitas sobre as mulheres cativas. O ideal
máximo da Torá é a paz. Assim diziam os nossos profetas em suas
prédicas: “Não levantarás povo contra povo a espada, e não
ensinarão mais a guerra” (Miquéias 4:3). O judaísmo sabe como é
triste ter de recorrer à guerra e derramar sangue, mas às vezes
esta é a única alternativa. Mas, se a guerra é necessária, mesmo
nela devem vigorar as leis humanas. (Torá, Ed. Sefer. pág 566)
Entendendo
os princípios desse texto vejamos então um pouco mais de contexto
histórico a respeito de guerra para que possamos entender os motivos
de Moshê ter falado essas palavras ao povo.
Perceba
que no período da antiguidade quando as terras não tinham donos e
os Estados soberanos estavam iniciando, era comum que houvessem
disputas por territórios, e nessas disputas, os dominados ou
derrotados, eram aniquilados ou tornavam-se cativos para posterior
servidão, podemos ver isso em vários textos das Escrituras, como no
livro de Juízes. E com isso, muitas vezes eram poupados mulheres e
crianças que tornadas cativas somavam junto com os despojos de
guerra, que era propriedade dos vitoriosos. Encontramos ocorrências
destes procedimentos ao consultarmos a literatura clássica grega, e
encontramos também a semelhança da legislação contida nesta
porção da Torá nas leis escritas no código de Hamurabi e no
código de Mari, que são documentos que regulamentavam a vida nas
terras próximas naquela época.
Contudo,
há uma diferença grande, pois a Torá dava às mulheres
prisioneiras o status de seres humanos e não de uma mera propriedade
de guerra, e isso com um motivo claro, conforme teremos a
oportunidade de verificar nesse estudo.
Voltemos
ao texto bíblico dessa porção.
10
Quando saíres à peleja contra os teus inimigos, e o SENHOR, teu
D’us, os entregar nas tuas mãos, e tu deles levares prisioneiros,
11
e tu, entre os presos, vires uma mulher formosa à vista, e a
cobiçares, e a quiseres tomar por mulher,
12
então, a trarás para a tua casa, e ela rapará a cabeça, e cortará
as suas unhas,
13
e despirá a veste do seu cativeiro, e se assentará na tua casa, e
chorará a seu pai e a sua mãe um mês inteiro; e, depois, entrarás
a ela, e tu serás seu marido, e ela, tua mulher.
Sabemos
que a Torá proíbe o casamento de servos do Eterno com pessoas de
outros povos, e já vimos também, que apesar disso, D’us permitiu
em alguns casos tais casamentos, desde que a pessoa demonstrasse que
queria servir ao Eterno. Vemos também na Torá instruções a
respeito da auto disciplina, responsabilidade e controle, então pode
parecer estranho nessa porção a Torá trazer ensinamentos sobre hum
homem querer se casar com uma mulher cativa.
Um
homem que passa pelos horrores de uma guerra, está emocionalmente
desequilibrado, pois pode estar há muito tempo longe de casa, sendo
ele casado ou não, e por isso estar no limite de suas forças em
resistir à inclinação para o mal (Yetser hará), que a Torá tanto
preza, e satisfazer seus instintos naturais. Sendo assim, a Torá o
protege de se precipitar em uma relação apenas passageira, pois ele
vendo uma mulher cativa, bela e formosa, que influenciada pelos
conselhos de Bilam (Nm 25:1-4; 31:16) de seduzir os soldados, por
meio de belas roupas e penteados, poderia ele ser tentado a
prevaricar com a tal mulher, e mesmo precipitadamente, tomá-la em
casamento. E no intuito de colocar alguns empecilhos a um ato
desencadeado por desejos passageiros, a Torá cria um roteiro para
que o soldado que, temente a D’us e obediente as Suas leis, não
fosse traído por seus impulsos, e se conscientizasse de seus atos
precipitados. Ou seja, o Eterno entende isso, e permite que nessa
situação ele despose uma mulher não israelita, ao invés de a
violar como era habitual (e na verdade ainda é, infelizmente) nas
guerras.
Mas
para se casar com ela, deveria seguir algumas orientações
prescritas na Torá, que estão nestes versos que estamos analisando,
Dt 21:11-13. A prescrição era que, se um homem desejasse casar com
uma mulher que trouxe cativa de entre o povo com quem guerreou, esta
deveria rapar a cabeça e deixar as unhas crescerem. Na verdade, há
nessa passagem uma mensagem importante, pois o propósito dessa
instrução é que o homem não se engane pelas aparências físicas
ou pelo desgaste emocional provocado pela guerra. Quando ele visse a
mulher em um estado lastimável, literalmente, destruída pelo
sofrimento de perda de entes queridos, com cabelo rapado e unhas
crescendo, ou seja, sem qualquer sinal de beleza feminina, o homem
olharia para ela de forma diferente, e perceberia se de fato a ama ou
se seria apenas uma ilusão. Contudo, se depois de tudo isso,
continuasse a desejar se casar com ela, mesmo não tendo a aparência
física agradável de antes, o casamento poderia se realizar.
Entendendo
o propósito além da letra
Olhando
para a história dos povos antigos podemos entender que cada cultura
tinha seus cortes de cabelo exclusivo, estilos de vestuário e a
decoração das unhas, isso identificava as pessoas a qual povo
pertencia. Então, é normal se considerar que pela mudança do corte
de cabelo, nas unhas e no vestuário da mulher pelo modo israelita,
isto significasse um processo de mudança de sua identidade de uma
estrangeira para a possibilidade de tornar-se uma israelita. Porque,
ao acabar com tudo que a identificava anteriormente, com os laços de
sua vida antiga, tudo é deixado para trás simbolicamente.
Mas
e o porquê disso? Segundo o Midrash, as filhas dos povos da
antiguidade adornavam-se nos tempos de guerra para seduzir
sexualmente os inimigos, conforme já dissemos anteriormente. Sendo
assim, quando lemos: “e
despirá a veste do seu cativeiro,
e se assentará na tua casa, e chorará a seu
pai e a sua mãe um mês inteiro; e, depois, entrarás a ela, e tu
serás seu marido, e ela, tua mulher.”
Dt 21:13. Aqui “veste do seu cativeiro” está se referindo a
roupas atrativas que vestia ao ser feita prisioneira. O propósito
maior aqui de tirar-lhe as roupas é que o homem já não a encontre
atraente como antes, pois era proposital. Antes de realmente se casar
com a prisioneira ele deveria esperar um mês para que ela pudesse
“chorar pelo seu pai e sua mãe”. Isto nos ensina que o
Eterno
se interessa que a alma da mulher seja consolada antes do casamento.
E também nos ensina, conforme já vimos, que o Eterno não quer que
o homem tome uma decisão precipitada. Ela precisaria chorar tanto
tempo para que o homem não a visse contente e feliz, mas sim feia e
pouco atraente comparativamente com as mulheres israelitas. O
Eterno estava também cuidando com isso, da própria mulher que
devido à guerra agora estaria à mercê, e condiciona um meio de ser
cuidada.
Ainda
outro ponto importante a respeito do luto dela pelos pais é que,
pela guerra acontecia de os pais ou algum parente ter sido morto, mas
não necessariamente esse luto seja por isso. Esse luto também era
para que ela tivesse uma oportunidade para esquecer de sua família,
assim ela teria condição de recomeçar deixando todo o passado
familiar idólatra para trás, devido a cultura a qual estava
inserida.
Podemos
perceber o princípio desse desligamento com o passado quando Yeshua,
no evangelho de Marcos 10:29-30 diz:
“Respondeu
Yeshua: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa,
ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos por amor
de mim e por amor do evangelho que não receba, já neste mundo, cem
vezes mais de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com
perseguições; e, no mundo vindouro, a Vida Eterna.”
Resumindo,
podemos ver que a Torá nos dá através desta lei sobre a “mulher
cativa”, a essência de “um enxertado na Oliveira”, conforme
menciona o Judeu Autônomo em seu Blog, que segundo Yeshua, deve
deixar para trás sua cultura familiar (religião familiar, crendices
e etc) em favor da cultura e mandamentos do Reino de D’us que se
encontram nas Palavras de Yeshua que torna plena a Torá.
“E,
se não te agradares dela, deixá-la-ás ir à sua própria vontade;
porém, de nenhuma sorte, a venderás por dinheiro, nem a tratarás
mal, pois a tens humilhado.” Dt
21:14
Podemos
entender o propósito deste trato com esta mulher, que é para que
não seja agradável para o homem, como já dissemos, ter que vê-la
em uma situação diferente. Isso não seria uma situação ideal,
para que ele se casasse com ela, pois poderia trazer-lhe
consequências negativas no futuro, e por isso, HaShem estabelece
estas regras para que finalmente ele se dê conta que não convém
casar-se com ela.
Segundo
o site Emunah a fé dos santos, a Torá não proíbe este tipo de
matrimônio, mas também não o aconselha. Se o homem ainda assim
deseja casar com ela, poderia fazê-lo. Contudo, incorre no risco de
que com o passar do tempo ela se torne numa mulher aborrecida,
segundo os versículos seguintes, e eventualmente nasça um filho
rebelde do seu matrimônio, segundo os versículos, que logo se
seguem. Segundo o Midrash, a mãe do rebelde Absalão era uma gentia
cativa de guerra que o rei David tinha capturado.
Assim,
é importante destacar que apesar de não ser a vontade do Eterno, na
época era permitido a um homem ter mais de uma esposa. Segundo um
midrash do site Chabad, se o soldado israelita já tivesse uma esposa
judia, a cativa tornava-se sua segunda esposa. A Torá, através de
uma alusão, conforme mostramos acima, devido a atitude impensada,
adverte que ele provavelmente odiaria a yefat toar, a cativa de
guerra. Como sabemos disto?
Porque
o próximo assunto do qual a Torá fala é sobre um marido que tem
duas esposas e odeia uma delas. Quando o soldado viu a yefat toar
pela primeira vez, ficou cego por sua beleza. Não levou em conta se
ela seria ou não uma esposa adequada para si. Uma vez casado,
começou a pensar: "Como pude querer essa moça? Ela não é tão
fina, delicada e educada como uma esposa judia deve ser!" Ele se
lamentaria e se arrependeria de ter se casado com ela, até que,
finalmente, começaria a odiá-la.
Se
isso acontecesse, ele poderia pensar: “Farei dela uma escrava! Ou
talvez a venda como escrava!” Mas a Torá o proíbe de agir assim:
"Você a tomou por esposa, agora, deve tratá-la bem!"
O
assunto seguinte, está ligado ao que foi mencionado acima, e envolve
filhos. A Torá agora vai falar sobre o direito de primogenitura de
uma filho ser intransferível independente de qualquer situação. De
acordo com um midrash, um homem pode ter duas esposas e não gostar
de uma delas. O que acontece se seu filho primogênito é da esposa
da qual ele não gosta? O pai pode não querer legar-lhe seu duplo
quinhão de primogênito. Em vez disso, pode querer dar a porção
dupla ao filho de sua esposa favorita. A Torá o proíbe de agir
desta forma. Um pai não pode negar ao primogênito a parte da
herança que lhe cabe.
Porque
esta lei aparece na Torá após o tema da yefat toar, a cativa de
guerra? A Torá indica que mesmo que um homem israelita pudesse
eventualmente odiar a yefat toar, ele deveria tratar o primogênito
que ela porventura lhe desse de maneira justa e equânime.
“Se
alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedece à voz de
seu pai e à tua mãe e, ainda castigado, não lhes dá ouvidos,”
Dt 21:18
A
seguir, a Torá explica as leis do filho rebelde. Isto é uma
indicação de que a yefat toar poderia dar à luz um filho assim.
Tudo isso está nos mostrando o cuidado que devemos ter ao tomar uma
decisão de entrar em um relacionamento sem a devida reflexão,
análise e entendimento, pois as consequências de nossas atitudes
nos acompanharão. E o objetivo da Torá é visivelmente nos instruir
para seguirmos por um caminho de paz e serenidade.
Este
texto também trata a respeito de alguém que desobedece às palavras
do pai. A rebeldia é considerada pelo Eterno como uma atitude
gravíssima e por isso tem que ser duramente corrigida na vida de uma
criança antes que chegue à adolescência.
O
Eterno a todo tempo, através de sua Torá, nos alerta a viver de
forma correta, a seguir caminhos planos e a tomar decisões sensatas,
pensadas e de acordo com sua vontade. Que possamos aprender e
praticar as palavras da Torá. Porque segundo o Rav Shaul (apóstolo
Paulo) já nos dizia: “Porque os que ouvem a Lei não são
justos diante de Deus, mas os que praticam a Lei serão
justificados.” Rm 2:13
Que
possamos viver assim, segundo a Torá nos ensina, a cada dia mais
praticando aquilo que cabe a nós. E temos aprendido, cada vez mais
mandamentos que podemos e devemos praticar, ao contrário do que é
ensinado nos sistemas. Vivamos e pratiquemos com amor “a carreira
que nos foi proposta.”
Que
o Eterno lhes abençoe!
Marcelo
Santos da Silva (Marcelo Peregrino Silva – Moshê Ben Yossef)
Bibliografia:
-
Torá - Lei de Moisés. Editora Sefer
-
Bíblia Judaica Completa, Editora Vida.
-
http://www.hebraico.pro.br/r/biblia/
-
http://shemaysrael.com/shoftim/
-
http://emunah-fe-dos-santos.weebly.com/uploads/1/4/2/3/14238883/49_-_ki_tets_quando_sares.pdf
-
http://judeu-autonomo.blogspot.com/2012/09/parashat-ki-tetse-quando-saires.html
-
https://www.cafetorah.com/deuterenomio/
-
https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/822869/jewish/Mensagem-da-Parash.htm