Estudos da Torá
Parashá nº 1 – Bereshit (No Princípio)
Bereshit/Gênesis 1.1-6.8
Haftará (separação) Is 42.5-43.10 e
B’rit Hadashah (nova aliança) Jo 1:1-51; Mc 10:1-12 e Hb 1:1-3, 3:7-4:11
Tema: A sabedoria da Torah: A planta da criação
Essa semana reiniciamos o ciclo anual de estudos da Torah. Se você chegou agora no caminho da teshuvah e está começando o estudo da Torah nesse ciclo, pode consultar depois no blog: SouPeregrinonaTerra.blogspot.com.br, todos os estudos do ciclo passado publicados lá em texto, e estão disponíveis para pesquisa além de muitos outros estudos. Também os estudos estão disponíveis em vídeo nos canais do YouTube Sou Peregrino na Terra e Kahal Teshuvah Brasil.
Bereshit é o começo de tudo. É o primeiro livro da Bíblia, é a primeira porção de leitura e estudo das Escrituras, é a primeira palavra na Torah. O significado de Bereshit é tradicionalmente entendido como “no princípio”, mas é bem mais amplo que isso, e essa parashá é fundamental para compreendermos a criação do mundo e a origem da humanidade segundo a vontade do Eterno. Na parashá Bereshit estão descritos os eventos mais significativos do início de tudo que existe.
A PARASHÁ DA SEMANA
No resumo da parashá dessa semana vemos que o Eterno cria os céus/shamaym e a terra/haarets em seis dias. Cada dia traz um aspecto diferente da criação: a luz, a separação das águas, os astros celestes, os seres vivos nas águas, nos céus e na terra, até o ápice da criação, a humanidade. O homem é criado "à imagem e semelhança" do Eterno, e no sexto dia, o Eterno vê que tudo é muito bom. No sétimo dia, Ele descansa, estabelecendo o Shabat como um dia separado e sagrado.
A parashá relata como o Eterno formou o homem/Adam do pó da terra e soprou nele o fôlego de vida, tornando-o um ser vivo. O Eterno planta um Jardim no Éden, um lugar de abundância, e coloca o homem ali para cultivá-lo e guardá-lo. Elohim estabelece um princípio: não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Depois, Ele cria a mulher/Chaváh, a partir de uma parte do homem, para lher ser uma companheira condizente.
A yetser haráh, na forma de uma serpente, engana Chaváh para que ela coma do fruto da árvore do conhecimento, ela não somente come, mas também dá a Adam. Eles desobedecem ao Eterno, seus olhos se abrem, e eles percebem que estão nus. Como consequência de seu erro morrem. Segundo a Torah oral três dias depois o Eterno os ressuscita sem a perfeição que tinham antes, e como consequência, conforme vemos nos textos da Torah, são expulsos do Éden, e o trabalho, a dor e a morte se tornam parte da vida humana.
O relato da história dos filhos de Adam e Chaváh é marcada pela inveja e pela violência. Caim, o primogênito, mata seu irmão Hevel por ciúmes, após perceber que o Eterno aceitou a oferta de Hevel e rejeitou a sua. O Eterno confronta Caim, que é amaldiçoado e condenado a ser errante sobre a terra.
Finalmente, a parashá também detalha as descendências de Adam e Chaváh, apresentando os nomes de seus filhos e as gerações que se seguirão, chegando até Noach, aquele que foi escolhido para sobreviver ao dilúvio que virá na próxima parashá.
ESTUDO DO TEXTO DA PARASHÁ
Você pode pensar que a Toráh é apenas um livro religioso, pois o que lhe mostram e falam apontam para isso, o que você vê as pessoas falarem mostram um livro com relatos, leis e princípios estabelecidos. Entretanto, a cada estudo de parashá semanalmente, temos percebido que a Palavra do Eterno, a Toráh, é muito mais que isso. E nesse estudo vou apresentar alguns argumentos e entendimentos que corroboram para o fato de que a Toráh é a planta de toda a criação. Ela é o projeto que estabeleceu os parâmetros para tudo o que foi criado, e por isso Yochanan, o autor do evangelho/bessoráh, entendia muito bem isso. Você pode buscar o estudo dessa parashá no ano passado no blog ou no canal do Youtube, quando falamos da criação da luz.
A Toráh pode ser compreendida como o "projeto" ou a "planta" de toda a criação. As Escrituras nos mostram que a vontade e os mandamentos do Eterno, revelados na Toráh, formam uma estrutura fundamental sobre a qual o mundo foi criado e pelo qual ele é sustentado. E os sábios do povo de Yisrael, bem como estudos gemátricos corroboram para esse entendimento. Vamos então aprofundar um pouco mais este assunto sabendo que não temos a mínimo condição de esgotá-lo, mas de dar um ponta pé para o entendimento que é muito profundo.
A sabedoria do Eterno na criação
Observemos um texto interessante do TaNaK, conhecido como Antigo Testamento, que nos mostra que o Eterno usa algo importante, e que já existia, ao criar todas as coisas. Note que eu disse algo não alguém!
O Eterno, pela sua sabedoria fundou a terra, por sua compreensão estabeleceu o firmamento, Mishlei/Pv 3:19
A "sabedoria" aqui mencionada é muitas vezes entendida como a própria Toráh, pois a Toráh contém parte da sabedoria infinita do Eterno. Assim, podemos ver que HaShem usou Sua sabedoria, expressa na Toráh, como o fundamento da criação. Segundo as Escrituras e a tradição judaica, a Toráh já existia antes da criação do mundo. Já comentei algo a respeito disso em minhas lives de Comentário do livro Pirkei Shimon de Bruno Summa, que você pode buscar no meu canal no YouTube. Esse entendimento, de que a Toráh já existia é sugerido, por exemplo, em Tehilim/Salmos 119:89, onde lemos:
A tua palavra, ó Eterno, para sempre está firmada nos céus.
Isso demonstra que a palavra do Eterno, que inclui Suas instruções e mandamentos, estava presente e ativa antes mesmo da criação do mundo material. A Torá que foi inicialmente dada ao povo de Yisrael, reflete a ordem e a justiça com as quais o Eterno governa toda a criação, pois ela é ampla, ou seja, além da escrita entregue ao povo no Sinai. A palavra "Toráh" significa instrução, direção ou ensino. No livro de Devarim /Deuteronômio 30:19-20, o Eterno nos diz que a escolha de seguir a Toráh é a escolha pela vida:
"Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência, amando ao Eterno teu Elohim, obedecendo à Sua voz, e apegando-te a Ele."
Isso nos mostra que a Toráh contém as instruções essenciais para a vida, essas mesmas instruções são reflexos da ordem do universo. Assim como o Eterno distribuiu leis físicas para governar o mundo natural, Ele deu a Toráh como leis espirituais e morais para governar a vida humana em harmonia com a criação. Vejamos então, como podemos aprender ainda mais, pois a primeira palavra dessa parashá é significativamente importante, e carrega uma quantidade enorme de ensino.
Bruno Summa, em seu livro Sha’arei Torah – Portões da Torah – Bereshit 1, onde comenta essa parashá, diz que o significado preciso da palavra BERESHIT pode ser um tanto enigmático. Ele afirma que pela tradução simples e literal, a qual estamos acostumados na língua portuguesa, seu significado seria “no início” ou “no princípio”, no entanto, se esse fosse o caso, diz o autor, a Toráh não começaria com BERESHIT e sim com BARESHIT, já que “no princípio” deixa implícito um princípio único e específico, pois na palavra “no” se esconde o artigo “o”, o qual define a esse princípio. De acordo com o autor, a diferença entre as preposições na língua hebraica Ba e Be é que a primeira define o substantivo enquanto a segunda não, ou seja, BERESHIT, por não possuir artigo, deve ser compreendido como “em um princípio”, um dentre outros.
Segundo o mencionado autor, a respeito desses entendimento, os sábios do povo de Yisrael ensinam que o “princípio” relatado pelo sefer/livro de Bereshit é, na verdade o oitavo “princípio”, pois antes dele, sete outras coisas tiveram seus princípios, a saber:
- a Torah, a qual foi criada para estabelecer como toda a criação deveria se comportar em relação ao estabelecimento da vontade do Eterno nessa realidade;
- O Trono da Glória, o local de onde provém toda emanação de HaShem;
- A Teshuvah, sem a qual o mundo não se sustentaria;
- O Gehinam, que representa a jsutiça divina;
- O Gan Edem, que é o mérito do Tzadik;
- O Nome do Mashiach, a quem tudo será dado; e
- O Beit Hamikdash ou Templo Sagrado, a habitação do Criador em meio ao seu povo.
E isso é dito também pelo Talmud Bavili.
O mesmo autor, ainda diz que, outra prova de que o “no princípio” conforme Gn 1:1 não é “o princípio”, encontra-se na própria palavra BERESHIT. Caso a Toráh estivesse falando sobre o primeiro e único princípio de todas as coisas, a palavra de abertura da Toráh deveria ser BARESHONAH – בראשונה, termo que possui um significado mais preciso sobre um “início absoluto” do que BERESHIT – בראטית.
Podemos perceber quanto é profundo o entendimento da Toráh. A palavra BERESHIT, conforme já dissemos é a primeira palavra, mas ela começa com a segunda letra do alfabeto hebraico, e isso também traz um ensino profundo. A escolha do Eterno para que a Toráh comece com a letra Beit - ב na palavra Bereshit é rica em significados profundos. Embora não haja uma explicação direta nas Escrituras sobre essa escolha específica, a tradição judaica e os estudiosos das Escrituras meditaram sobre o simbolismo dessa letra e seu lugar no início da Toráh, revelando assim, um ensino importante.
A letra Beit tem um formato que se abre para frente, mas é fechado por trás. Isso indica que a Toráh escrita começa a partir de um ponto em que o passado (o que veio antes da criação) estava além do nosso conhecimento, conforme já mencionamos acima. O homem deve focar no que está à frente (o que é revelado) e não se concentrar no que está oculto ou antes da criação do mundo, pois isso pertence apenas ao Eterno, embora ele tenha revelado muita coisa através da Torah oral. A palavra Beit é associada a "casa" (Bait em hebraico). A criação do mundo é como uma casa que o Eterno preparou para a humanidade. Dessa forma, assim como o homem habita em uma casa, o Eterno criou os céus e a terra como uma "morada" para Suas criaturas. Começar com a letra Beit pode significar que o mundo é a "casa" que o Eterno coloca para a humanidade, e esta é chamada a cuidar e preservar essa criação conforme as instruções do Eterno.
Outra coisa interessante é que a letra Beit é a segunda letra do alfabeto hebraico, tendo o número dois como seu valor numérico. Alguns estudiosos enxergam nisso uma representação da dualidade presente na criação, observe: os céus e a terra, a luz e a escuridão, o homem e a mulher, o bem e o mal. Isso reflete o equilíbrio e a interação de forças opostas no mundo criado pelo Eterno, estabelecendo o princípio da escolha ou livre arbítrio. O Beit, sendo a segunda letra, nos revela que a criação não começou com a letra Alef, a primeira letra, pois Alef - א representa o Eterno, que é único e anterior a toda a criação. A criação começa com a segunda letra, o Beit, estabelecendo que o mundo já foi criado em um estado onde existe o "dois", ou seja, a possibilidade de escolha e dualidade. Isso reflete o livre-arbítrio dado à humanidade, que deve escolher entre o caminho da obediência ou da desobediência.
Por isso, o fato de a Toráh não começar com Alef, a primeira letra, pode nos ensinar que o Eterno não revela o princípio absoluto de todas as coisas naquele momento, pois Ele está além da compreensão. Mas a revelação que Ele nos deu, a partir de Beit, comprova que havia outros princípios, isso é suficiente para que possamos seguir Seus ensinos e viver de acordo com Sua vontade. O homem deve começar seu entendimento da criação a partir da revelação da divina, sem tentar buscar além do que foi mostrado. Assim, a escolha de Beit em "Bereshit" nos instrui sobre o equilíbrio, a dualidade do mundo, a criação como uma morada para a humanidade, e que a Toráh, sendo a planta da criação, é nossa porta de entrada para entender a vontade do Eterno e o propósito da existência.
É importante que tenhamos em mente, que ao buscarmos um entendimento mais profundo dessas primeiras palavras da Toráh, é que segundo Bruno Summa, ela não fala sobre o princípio de algo como normalmente imaginamos, mas o relato da criação de todas as coisas não nos foram revelados para sabermos que um dia houve um início, mas sim como tudo foi criado, os motivos que foram criados e para quê foram criados. Esse entendimento revelam os verdadeiros segredos que estão por trás de cada ato da criação pelo Eterno.
A Toráh como a Planta da criação
Conforme já mencionamos, a Toráh, criada antes de outras coisas, é a planta da criação, e se é assim, como deveríamos compreender esse primeiro verso da parashá Bereshit?
Mais uma vez, podemos voltar ao TaNaK, pois Sh’lomor Hamelech/Rei Salomão escreveu algo que o Eterno lhe revelou.
O Eterno me criou como o princípio de seu caminho, antes das suas obras mais antigas. Pv 8:22
Algumas pessoas que não conhecem a forma original de interpretar as Escrituras consideram este verso como uma referência à pré existência de JC, mas isso está totalmente fora do contexto, pois conforme estamos mostrando no estudo, a Torah é a sabedoria do Eterno, e ela foi criada antes. Note que Brunno Summa em seu livro já mencionado aqui, faz uma leitura desse verso de forma diferente, mas correta e em concordância com o contexto das Escrituras e da tradição judaica. Observe:
Adonai me criou (Toráh) como RESHIT (início) de Seu curso, como a primícia de Seus trabalhos na antiguidade. Pv 8:22
É demonstrado que Salomão afirma que a Toráh foi criada pelo Eterno no começo de tudo, aludindo à criação das criações. Há um midrash que trata desse assunto, observe abaixo:
Existe também um comentário sobre Rashi no Daat Zkenim, observe:
Rashi entende a palavra RESHIT em referência à Toráh, pois é chamada de RESHIT em outro lugar.
Essa afirmação de Rashi se dá porque em Tehilim/Salmos encontramos um verso que nos confirma o pensamento.
Então, ao lermos cada uma das referências mencionadas acima e compreendendo que Be aponta para o termo “pela” e RESHIT seria um apontamento para a “Toráh”, poderemos reler o primeiro verso de Bereshit da seguinte forma:
Pela Toráh criou Elohim os céus e a terra. Gn 1:1
Podemos ainda verificar o que estamos falando pela gematria da palavra BERESHIT:
BERESHIT - בראשית
= 913
Esse é o mesmo valor de uma frase, veja:
BATORAH YATZAR – בתורה יצר – COM A TORAH FORMOU
= 913
Há um outro segredo gemátrico que encontramos através da observação através do contexto original, olhando para o ensino do povo de Yisrael. Vimos que BERESHIT tem valor 913, e que ele aponta para a Toráh. Esta é composta por 5 livros conhecido como Chamesh, no entanto, o livro de Bamidbar/Números seria subdividido em três livros, o que geraria o total de 7 livros na Torah, e conhecida como Sheva – sete, uma palavra que possui o seguinte valor:
SHEVA – שבע – Sete
= 372
Sabendo que a Torah foi entregue a Yisrael, vejamos o valor dessa palavra:
Yisrael – ישראל
= 541
Assim, podemos perceber que se juntarmos a Torah de sete livros com o povo que o recebe, encontramos o real propósito da criação, observe:
Yisrael-541 + Sheva-372 = Bereshit-913
Dessa forma, conforme Bruno Summa fala, tudo que HaShem criou, gerou e formou, foi antes idealizado por Ele e escolhido nas letras e nas palavras que formam a Torah nas esferas espirituais.
A Harmonia entre a criação e a obediência à Toráh
Com tudo que já vimos até agora, percebemos que a obediência à Toráh não é apenas um aspecto moral, mas também uma forma de viver em harmonia com o universo que o Eterno criou. Quando o homem segue os princípios do Eterno, ele vive de acordo com o projeto da criação. Se olharmos para as instruções sobre Shabat, por exemplo, vemos que o descanso no sétimo dia reflete o próprio padrão da criação, conforme relatado em Bereshit 2:2-3, onde o Eterno deixou de criar no sétimo dia. Assim, a vida humana deve espelhar a ordem da criação que está embutida na Toráh.
O relato da criação em Bereshit nos mostra que o Eterno trouxe ordem do caos, separando luz e escuridão, águas e terra, e criando todas as coisas em sequência, de acordo com Sua vontade. Da mesma forma, a Torá estabelece ordem na vida humana, mostrando como o homem deve viver de acordo com os princípios para que haja harmonia na criação. O Eterno criou o mundo com um propósito, e esse propósito é baseado e revelado na Toráh, já que ela é anterior. Quando o homem desobedece às instruções da Toráh, ele perturba essa harmonia, como vimos com o pecado de Adam e Chaváh e suas consequências para toda a criação.
Não é à toa o que o salmista escreve em Tehilim/Salmos 119:105:
Tua palavra é lâmpada para os meus pés, e luz para o meu caminho.
Isso nos ensina que a Toráh, como a planta ou projeto do Eterno, sendo a luz, ilumina o caminho da vida, guiando o homem para andar de acordo com o propósito pelo qual foi criado. Assim como uma planta arquitetônica guia a construção de uma casa, a Toráh guia a construção de uma vida em alinhamento com o projeto divino da criação.
Portanto, ao finalizar nosso estudo, tenhamos em mente que ao estudarmos e obedecermos à Toráh, estamos nos conectando ao projeto original do Eterno para o mundo e para a humanidade. A Toráh revela os princípios eternos que sustentam a criação e a vontade do Eterno, para que vivamos em harmonia com esses princípios. Ela é, em essência, o "plano mestre" que o Eterno percorreu desde o início. Que possamos seguir esse plano com firme confiança, vivendo de acordo com suas instruções.
Que o Eterno os abençoe e até o próximo estudo!
Marcelo Santos da Silva (Marcelo Peregrino Silva – Moshê Ben Yosef)
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