Estudos da Torá
Parashá nº 8 – Vayishlach (E enviou)
Bereshit/Gênesis 32:4-36:43
Haftará (separação) Os 11:7-12:12 e
B’rit Hadashah (nova aliança) 1Co 5:1-13; Ap 7:1-12
Tema: Dináh: uma profecia sobre Yisrael.
Na parashá dessa semana, temos a história de Dináh, que é mais um relato intenso e desafiador do TaNaK. Embora, à primeira vista, pareça tratar-se apenas de uma tragédia familiar, os elementos descritos aqui revelam profundas lições éticas e proféticas que ecoam ao longo das Escrituras e dos escritos nazarenos. Dináh, a única filha de Yaakov, torna-se o centro de uma narrativa que aborda questões de honra, santidade, aliança e principalmente fidelidade ao Eterno. Essa passagem levanta reflexões sobre como o povo de D’us, Yisrael, em todas as gerações, deve lidar com pressões externas, evitando comprometer sua identidade e a missão dada pelo Eterno.
Neste estudo, veremos como a história de Dináh indica a importância que devemos dar ao chamado de separação e fidelidade ao Eterno. Traçaremos paralelos entre este relato e as advertências e promessas dos profetas, bem como os ensinamentos de Yeshua e seus talmidim. Por meio dessa singela análise, veremos que o chamado à santidade transcende os desafios de um único evento, apontando para o propósito eterno de Yisrael como luz para as nações. Essa é uma mensagem que permanece relevante e urgente para todos que desejam trilhar os caminhos do Eterno.
RESUMO DA PARASHÁ DA SEMANA
A narrativa desta semana nos conduz a momentos intensos da vida de Yaakov, repleta de encontros marcantes, lutas internacionais e profundas provas. Tudo começa com Yaakov se preparando para encontrar seu irmão Esav, de quem se separou anos atrás sob circunstâncias de tensão. O temor e a incerteza permeiam seu coração, levando-o a enviar mensageiros com presentes generosos para apaziguar seu irmão. Mas Yaakov não confiava apenas em estratégias humanas; ele recorre ao Eterno em oração, buscando proteção para si e sua família, demonstrando sua confiança firme.
Antes do reencontro esperado, algo misterioso e profundo acontece. Durante a noite, Yaakov lutou com um malach, um mensageiro do Eterno. Essa luta representa mais do que um confronto físico; é um debate espiritual e emocional. Ao amanhecer, Yaakov emerge marcado fisicamente, mas com um novo nome: Yisrael, que significa “aquele que luta com os homens e com Elohim, e prevalece”. Essa transformação simboliza um novo nível de conexão e propósito em sua jornada com o Eterno.
Quando finalmente encontra Esav, o momento não é de hostilidade, mas de lágrimas e abraços. Apesar de toda a tensão, o reencontro termina pacificamente, e os dois irmãos seguem caminhos diferentes, com Yaakov voltando ao foco em sua missão e promessa.
A história toma um tom trágico e revoltante quando Diná, filha de Yaakov e Leah, é violentada por Siquém, o príncipe de uma cidade homônima. O texto revela a dor profunda da família e a ocorrência impiedosa de Shimon e Levi, que orquestraram um plano para vingar sua irmã. Enganando os homens da cidade, eles desligam que todos se circuncidem e, aproveitando sua fraqueza, matam todos os homens da cidade. O ato é condenado por Yaakov, que tem repercussões entre os povos vizinhos.
Em meio a essas turbulências, a família continua sua jornada. Raquel, a amada esposa de Yaakov, morre ao dar à luz a Binyamin, o filho mais novo. Seu falecimento marca um momento de dor profunda para Yaakov, que enterra Raquel em Beit-Lechem. O patriarca finalmente retorna a seu pai, Yitzchak, em Hebron. Pouco depois, Yitzchak morre com 180 anos, sendo sepultado por seus dois filhos, Yaakov e Esav.
A parashá conclui com a genealogia de Esav, destacando sua separação definitiva da linha escolhida para cumprir as promessas do Eterno. Apesar de sua proximidade inicial, Yaakov e Esav seguem destinos muito diferentes, cumprindo as palavras proféticas que Rivkah recebeu: "Duas nações estão em seu ventre...".
Assim, Vayishlach é uma porção que nos convida a refletir sobre os desafios da reconciliação, o peso das escolhas, e a fidelidade às promessas do Eterno, mesmo em meio às dificuldades da vida.
ESTUDO DO TEXTO DA PARASHÁ
A narrativa de Dináh e Shikhém em Bereshit 34 é intensa e carregada de camadas significativas de ensinos e de profecias. Lembrando que é muito importante ter cuidado ao fazer paralelos alegóricos ou proféticos, buscando antes de tudo o entendimento literal e o que o texto nos ensina sobre os valores e mandamentos do Eterno.
Entretanto, refletindo sobre essa passagem de acordo com a mentalidade judaica, algumas conexões proféticas podem ser feitas com base em princípios que aparecem ao longo das Escrituras. Imagine Dináh sendo uma representação da casa de Yisrael, a ideia de que ela foi tomada à força e depois convencida a permanecer com quem a capturou pode refletir o perigo de se acomodar em situações que não estão em conformidade com os mandamentos do Eterno ou de se colocar em uma situação de transgressor. Assim como Yaakov é a representação do povo de Yisrael, pois permite o casamento por entender que não tem mais jeito. Mesmo em meio ao erro de Shimon e Levi, a casa de Yisrael é chamada a se separar de todas as formas de engano ou opressão. Shikhem representa o engano, ao agir movido pelo desejo e não pela justiça, ele simboliza também os sistemas religiosos que tentam impor sua autoridade ou domínio sobre aqueles que deveriam ser livres para servir ao Eterno. Seu pai Hamor, ao propor um acordo, reflete os líderes que negociam com base em interesses próprios, sem considerar a santidade e a vontade do Eterno.
Porém, Yaakov como pai e patriarca, hesitou em reagir diretamente, talvez por buscar preservar a paz em meio à tensão resolveu concordar com o casamento. Isso lembra que o povo de Yisrael, por acharem que a casa de Yisrael está perdida para as nações aceitam que “não podem fazer mais nada” para resgatar-lhes a honra, isto é, trazer-lhes de volta para casa. Assim, acabam deixando-os no meio da idolatria, considerando-os como gentios. Ao contrário disso porém, quando confrontado com sistemas ou práticas que não estão de acordo com as instruções do Eterno, devem buscar coragem para se manterem fiéis, sem se deixarem convencer de que "não há mais jeito" e buscar seus irmãos perdidos, foi isso que o messias veio ensinar a fazer.
No entanto, para ampliar nosso entendimento, precisamos observar com cuidado o que aconteceu no contexto literal para melhor entendermos os apontamentos proféticos já citados. O texto do capítulo 34 diz que Dináh saiu para ver as filhas da terra. O que isso significa? A Toráh oral nos relata que Dináh era desobediente, ao passo que a Toráh escrita nada diz claramente sobre o caráter dela, deixando apenas pista, que juntas aos ensinos orais se completam. Os rabinos tecem alguns comentários sobre essa filha do patriarca, como podemos encontrar um exemplo no comentário de rodapé da Torah da Editora Sefer, veja abaixo:
Dináh, a filha única de Yaakov entre os doze filhos, que devia ser o adorno da cora do patriarca, se converteu em tristeza e vergonha da família. Um príncipe pagão (Shikhem) a desonra, e os dois irmãos da jovem (Shimeon e Levi) vingam este crime com um crime maior. Eles acham pouco tomar vingança do culpado e a tomam de todo um povo inocente. Tudo isso porque Dináh saiu. Ela saiu das tradições e da decência da família de Avraham e expiou cruelmente sua imprudência. Severa lição que ensina a mulher, principalmente virgem, a cuidar-se; e de como a curiosidade e a imprudência podem levá-la ao precipício. Página 98
Reparou que o autor do comentário acima, afirmou que Dináh deveria ser o adorno da cora de Yaakov, mas ela acabou gerando tristeza e vergonha, e tudo porque ela saiu. Ela saiu da obediência, saiu da fidelidade ao Eterno saiu para encontrar com outras jovens da daquela terra, o que significa que ela buscava amizade com elas. Tal atitude facilitou o encontro com Shikhém, o que acarretou no abuso. As ações de Dináh a levaram na direção contrária às orientações do Eterno aos descendentes de Avraham. E aqui inicia os apontamentos dessa jovem com a casa de Yisrael, pois ao desobedecer ao seu pai e ao Eterno, buscando se confraternizar com pessoas dos povos e seus deuses Dináh acabou sofrendo abuso, assim como as dez tribos acabaram sendo levadas e espalhadas pelas nações.
Embora o texto da Toráh não explique exatamente as motivações da filha do patriarca, o contexto e a escolha das palavras no texto sugerem implicações importantes, que são confirmadas pela Toráh oral e pelos midrashim, especialmente no que diz respeito à relação entre as ações ao ir às jovens filhas dos hivi e ao relacionamento entre o povo de Yisrael e as culturas ao seu redor.
No Tanakh, o ato de "sair" pode simbolizar tanto um movimento físico de sair de um lugar quanto uma disposição em obedecer, como foi o caso de Yaakov na parashá passada, que saiu em obediência aos seus pais para a terra dos seus antepassados, a fim de encontrar uma esposa. Contrariamente, Dináh, filha de Yaakov e Leah, ao "sair" para ver as filhas da terra, parecia buscar um ambiente estrangeiro, possivelmente para observar ou interagir com os costumes e práticas locais. Embora isso não seja explicitamente condenado no texto, há um contraste implícito entre a santidade da família de Yaakov e o ambiente corrupto das nações cananeias ao redor.
Esse "sair" pode ser entendido como um gesto de curiosidade ou desejo de explorar algo fora do ambiente protegido de sua família. No entanto, essa escolha expôs a sua vulnerabilidade diante de um sistema que não compartilhava os valores de justiça, santidade e proteção configuradas pelo Eterno para o povo de Yisrael. E por conta dessa vulnerabilidade o rapaz a tomou forçadamente. Sua saída reflete o perigo de buscar envolvimento ou observação das práticas das nações, bem como dos sistemas religiosos, distanciando-se das instruções e mandamentos do Eterno.
Como já demonstramos, profeticamente, as "filhas da terra" mencionadas no texto, representam as nações com quem a casa de Yisrael se relacionou desde que foram dispersos pelos Assírios, um povo cujos costumes frequentemente se opunham aos Caminhos do Eterno. As Escrituras frequentemente alertam contra a assimilação cultural e espiritual, como em Devarim/Dt 7:3-4, onde o Eterno instrui os israelitas a não se adaptar com os povos da terra para evitar o afastamento dos mandamentos. Ao "sair" para vê-las, Dináh estava se colocando em um ambiente de influências culturais, que eram desalinhadas com o propósito e a santidade da casa de Yaakov, como servo do Eterno. O texto não diz que Dináh participou dos costumes das "filhas da terra", mas o simples ato de buscar interação com elas pode ser entendido como uma aproximação a algo que estava fora da esfera de proteção e instrução de sua família, pois a kavanah, a intenção do coração, demonstrava qual era realmente seu desejo. Essa curiosidade pode ter sido inocente, mas a narrativa sugere que a colocou naquela posição de vulnerabilidade, culminando no ato de violência.
Entendam que não estamos aqui colocando justificativas para amenizar o que Shikhém fez, pois foi algo horrível! De forma alguma! Mas estamos usando o ocorrido para aprender que nossas ações geram consequências que podem ser desastrosas em nossas vidas. E no contexto histórico e profético, para a casa de Yisrael, isso representou o afastamento do povo do Eterno. Podemos colocar esse exemplo em várias situações de nosso cotidiano e o princípio deverá ser o mesmo.
1. Um Chamado à Vigilância Contra a Acomodação
A narrativa desse ato de desobediência de Dináh é um alerta poderoso sobre as consequências de alianças comprometedoras. Após ser tomada à força por Shikhém, este busca legitimar sua ação por meio do casamento, através da mediação de seu pai, Hamor. Esse episódio simboliza situações em que sistemas religiosos ou influências externas buscam capturar o povo de D’us, oferecendo propostas que, à primeira vista, podem parecer conciliatórias, mas que comprometem sua identidade e santidade. A relação com o sistema só faz com que a pessoa se afaste mais do Eterno, se tornando cada vez mais desobediente.
Yaakov, ao hesitar em responder imediatamente, demonstra o desafio de lidar com situações que tocam na honra e nos valores do povo de Yisrael. Sua ocorrência mostra como a acomodação a influências externas pode parecer uma solução prática, mas não é aceitável diante do chamado à santidade. Já a atitude impulsiva de Shimeon e Levi reflete uma resposta humana que, embora movida por zelo, não está alinhada ao caminho do Eterno, trazendo consequências graves para a família de Yaakov.
Em um contexto mais amplo, o relato de Dináh aponta também para a necessidade de resistir à assimilação e manter-se fiel aos mandamentos. Assimilação é a aceitação e adaptação da forma de viver dos que não seguem o padrão ético do Eterno, que é a Toráh. Essa separação ou santificação não é apenas física, mas espiritual no sentido de obediência e cultural, garantindo que o povo permaneça como luz para as nações, nas suas práticas cotidianas, ao obedecer aos mandamentos, conforme descrito em Yeshayahu 49:6:
"Também te dei como luz para os gentios, para seres a minha salvação até os confins da terra."
Também vemos o Shaliach Sha’ul, o apóstolo Paulo, ensinar aos Romanos nessa mesma linha de entendimento, veja:
Não vos conformeis com este mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade do Eterno. Rm 12:2
2. Advertências Contra Alianças Comprometedoras
Os profetas do TaNaK constantemente anunciavam a Yisrael sobre os perigos das alianças com as nações vizinhas, que muitas vezes levavam à idolatria, à corrupção moral e ao desvio dos caminhos do Eterno. Hoshea utilizou a metáfora de um casamento corrompido para descrever a infidelidade de Yisrael ao buscar outros deuses e sistemas: "Pois a terra se prostituiu, desviando-se do Eterno" Oséias 1:2.
Assim como Dináh foi capturada por Shikhém, Yisrael frequentemente foi seduzido por práticas e alianças que comprometiam sua pureza levando-o a serem capturados e expulsos da terra. A escolha da casa de Yisrael foi a mesma de Dináh, e isso os levou à assimilação.
Em Yirmeyahu 2:13, o profeta denuncia o povo por abandonar o Eterno, a fonte de água viva, para cavar cisternas rachadas que não retém água. Esse verso ilustra a tolice da confiança em sistemas e alianças humanas em vez de confiar no Eterno. A história de Dináh reflete essa dinâmica: aceitar as condições impostas por Hamor e Shikhém seria como cavar cisternas rachadas, buscando segurança e ameaças por meio de alianças que trariam apenas ruína.
Por outro lado, os profetas também apontavam para a restauração de Yisrael, quando eles voltarem ao Eterno. Em Yeshayahu 52:11, o chamado é claro: "Retirai-vos, retirai-vos, saí daí, não toqueis em coisa impura; saí do meio dela, purificai-vos, vós que levais os utensílios do Eterno." Esse clamor pela separação reforça o princípio de que a santidade exige uma postura firme contra tudo que contamina ou compromete a aliança com o Eterno. Da mesma forma como vemos a mensagem se repetindo no livro das Revelações:
Então ouvi outra voz do céu que dizia: sai dela, povo meu, para que vocês não participem dos seus pecados, para que as pragas que vão cais sobre ela não os atinjam. Ap 18:4
3. Santidade e Resistência ao Engano
Yeshua, em seu ministério, reforçou o chamado à santidade e a importância de discernir entre o que é santo e o que é profano. Em suas palavras, ele anuncia sobre os perigos do engano, afirmando: "Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro" Mattityahu/Mt 6:24. Esse ensinamento é uma exortação direta para que os seguidores permaneçam fiel ao Eterno, rejeitando alianças ou práticas que dividam seu coração.
Os talmidim também destacaram a necessidade de santidade em todas as áreas da vida. Shaul, por exemplo, escreveu: "Não vos prendais a um jugo desigual com os incrédulos, pois que a sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas?" 2 Coríntios 6:14. Esse ensinamento ecoa a mensagem central da história de Dináh: o povo do Eterno deve evitar qualquer aliança que comprometa sua identidade e fidelidade ao Eterno.
Além disso, Kefa/Pedro exortou os da casa de Yisrael que estavam em diáspora e lá creram no testemunho do messias, a viverem como um povo santo e separado, dizendo: "Vós sois uma geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquelas que vos chamaram das trevas para sua maravilhosa luz” 1 Kefá 2:9. Assim como Yisrael foi chamado a ser luz para as nações, os seguidores do Eterno devem refletir essa santidade em todas as suas ações.
Concluindo nosso estudo, vimos que a história de Dináh, unida às palavras dos profetas e aos ensinamentos de Yeshua e seus talmidim, apresentam uma mensagem poderosa e atemporal: o povo de Yisrael é chamado a ser santo, separado e fiel ao Eterno, rejeitando alianças que comprometem sua identidade e missão. Missão esta que Yeshua e os shaliachim cumpriram e nós ainda estamos cumprindo, ou seja, resgatar as ovelhas perdidas da casa de Yisrael que foram assimilados mundo afora. A tentativa de ceder às pressões externas ou aceitar compromissos práticos é constante, mas o chamado à santidade exige coragem, discernimento e obediência.
Como está escrito em Vayicrá/Lv 20:26: "Sereis santos para mim, porque eu, o Eterno, sou santo e vos separei dentre os povos, para que sejam meus." Que possamos viver de acordo com esse chamado, confiando no Eterno para nos guiar em meio aos desafios e permanecendo como luz para as nações. Assim como Dináh foi resgatada do engano de Shikhém, a casa de Yisrael está sendo resgatada do domínio dos sistemas corrompidos e retornar ao seu propósito junto ao Eterno.
Que o Eterno os abençoe e até o próximo estudo!
Marcelo Santos da Silva (Marcelo Peregrino Silva – Moshê Ben Yosef)
Nenhum comentário:
Postar um comentário