Estudos da Torá
Parashá nº 18 – Mishpatim (Regras)
Shemot/Êxodo 21:1 – 24:18
Haftará (separação) Jr 34:8-22; 33:25,26 e
B’rit Hadashah (nova aliança) Mt 5:38-42; 15:1-20; Hb 9:15-22.
Tema: Mandamentos que não geram recompensas.
Quando pensamos nos mandamentos do Eterno, geralmente acreditamos que todos eles foram dados para trazer bênçãos e recompensas àquelas pessoas que os cumprem. Na verdade, há mandamentos na Torá que prometem prosperidade, proteção e uma conexão mais profunda com o Criador. No entanto, há um grupo específico de mandamentos que não existem para premiar quem os obedece, mas sim para impedir a destruição do próprio homem e da sociedade em que vive.
Esses são os Mishpatim, as leis de justiça e moralidade que regulam as relações humanas, garantindo a ordem, a dignidade e a equidade entre os povos. Diferente dos Chukim, que encaminham à submissão a vontade do Eterno mesmo sem explicação lógica aparente, e dos Edut, que servem como testemunhos espirituais da aliança entre o Criador e Yisrael, os Mishpatim são mandamentos racionais e universais, compreensíveis até por aqueles que não seguem a Torá.
Mas se essas disposições não trazem recompensas diretas para quem os cumpre, por que eles são tão essenciais? A resposta é simples: sem justiça, sem honestidade e sem integridade, a sociedade se derrota. O propósito dos Mishpatim não é elevar espiritualmente quem os pratica, mas evitar que a corrupção, a opressão e a ganância tomem conta do mundo.
Neste estudo, exploraremos o papel dos Mishpatim na Torá, sua importância para toda a humanidade e como os profetas e os emissários de Yeshua fortaleceram essa verdade ao longo da história. Veremos que, mais do que uma escolha, a justiça é uma necessidade para a sobrevivência da civilização.
RESUMO DA PARASHÁ DA SEMANA
A parashá desta semana é chamada de Mishpatim. Nela, o Eterno revela ao povo de Yisrael diversas instruções sobre justiça, relações sociais, escravidão, compensações, danos, empréstimos, honestidade e a observância do Shabat e das festas anuais.
O Eterno estabelece regras sobre a servidão, determinando que um hebreu que sirva a um senhor deve ser libertado no sétimo ano, a menos que a escolha permaneça voluntariamente. São estabelecidos punições para o homicídio, agressão e danos físicos.
O Eterno determina que, se um boi ferir alguém e isso resultar em morte, o dono do animal pode ser responsabilizado, especialmente se houver negligência prévia.
Quem roubou deverá restituir com acréscimos. Existem diferentes regras para furto de animais e destruição de propriedade alheia.
O Eterno condena a opressão contra o estrangeiro, a viúva e a órfão. Também proíbe a prática de feitiçaria e idolatria. Ordena que a justiça seja aplicada de forma imparcial, sem aceitar suborno ou distorcer o direito dos necessitados.
São reafirmadas as instruções sobre o descanso no sétimo dia e a observância de três festas: Chag HaMatzot (Pães Ázimos), Chag Shavuot (Festa de início da Colheita/Shavuot) e Chag Sucot (Festa da Colheita Final/Sucot).
O Eterno envia um malach (mensageiro) para guiar Yisrael à terra prometida, anunciando sobre a importância de obedecer Suas instruções. E Moshê sobe ao Monte Sinai, onde permanece por 40 dias e 40 noites para receber as tábuas da aliança.
Mishpatim nos ensina que servir ao Eterno não se limita à fé, mas se manifesta nas nossas ações diárias, na justiça social e na honestidade com o próximo. Como está escrito: “E farás o que é reto e bom aos olhos do Eterno” (Devarim 6:18).
ESTUDO DO TEXTO DA PARASHÁ
Esses são os mishpatim que lhes deve apresentar. Ex 21:1
Conforme comecei a dizer na introdução acima os Mishpatim (regras)são instruções do Eterno que regem a justiça social, a moralidade e as relações humanas. Diferente dos Edut (testemunhos) e Chukim (decretos), que muitas vezes transcendem a lógica humana e visam conectar o homem ao Eterno de maneira mais profunda, os Mishpatim são leis racionais e universais. Eles não existem para trazer mérito ou recompensa, mas, na verdade, seu propósito é impedir a autodestruição do homem e da sociedade, já que eles são regras de bem conviver.
HaShem ao estabelecer essas leis, está ensinando à humanidade que sem justiça, sem honestidade e sem respeito mútuo, uma civilização cairá na corrupção e na destruição. Vejamos então, um pouco mais de perto o que a Torá quer nos ensinar com essas regras e qual seu propósito.
1. Proteção, não recompensa.
Os Mishpatim ou regras que o Eterno estabeleceu lidam com questões como justiça social, honestidade, responsabilidade e relações humanas. São leis que regulam o comércio, as deliberações por crimes, a proteção aos mais vulneráveis e a importância da verdade nos julgamentos, como já disse antes. A grande diferença entre eles e outros mandamentos da Torá é que ninguém recebe um “prêmio” por cumpri-los. Você não ganha méritos espirituais por não roubar, por não mentir em tribunal ou por pagar um trabalhador em dia. Você simplesmente está impedindo que a sociedade entre em colapso pela injustiça.
Bruno Summa fala sobre isso, em seu comentário dessa parashá em Sha’arei Torah – Portões da Torah – Shemot 3. Ele diz que nos Mishpatim estão inclusos os mandamentos que são lógicos ao homem e que permitem ao ser humano viver em uma sociedade harmoniosa. Os mandamentos que compõem esse terceiro grupo não são mandamentos que visam recompensar o homem que os observa como visam os mandamentos inclusos nos dois primeiros grupos, os Edut e os Chukim, mas seus reais objetivos são para que o homem não seja condenado e destruído pela sua própria corrupção e ganância.
O autor ainda diz que, essa parashá apresenta inúmeros mandamentos lógicos e que devem ser observados para que todos os seres humanos possam conviver em sociedade, como por exemplo a proibição do assassinato, roubo, leis monetárias e financeiras, posses e propriedades, direitos cíveis e todo tipo de ordenança que possam ser julgadas e revistas por juízes terrenos. Ele também diz que diversas leis inclusas nessa porção da Torá formam a base cível da vasta maioria das sociedades modernas e são elas as leis básicas do direito. Pelo motivo de serem leis que visam o bem social e são baseadas no bom senso humano, observá-las não garante bênçãos e benesses do Eterno, no entanto, se não observá-las, por conta de seu caráter lógico, trará ao homem punições extremamente catastróficas, segundo o autor. As leis de Mishpatim estão diretamente associadas à continuidade da vida de um homem sobre a terra. Observe o que o profeta diz:
E Tsion será salva pelo mishpat, e os que se arrependem pela tsedakah. Is 1:27
Há um segredo aqui nesse verso, ele menciona salvação, associando dois pontos, mishpat e tsedakah, e isso nos revela que na verdade o profeta fala de salvação no plural, duas salvações. A primeira ligada a mishpat trata de salvação física e a segunda, ligada à tsedakah trata de vida eterna. Veja que o homem que se arrepende e faz teshuvah se engajando na tsedakah inevitavelmente irá se apegar aos mandamentos dos outros dois grupos. Estes mandamentos da Torah não visam apenas bons e longos dias na terra, no ponto de vista físico, mas também visam garantir o mundo vindouro. Já os ligados ao mishpat estão ligados à vida terrena, coisas ligadas à vida antes do mundo vindouro. Observe o que fala o profeta Yechezkel 18:5-9 e veja como está conectado com esse assunto, mostrando que a justiça não é uma virtude opcional, mas uma base para a sobrevivência de uma nação. Este trecho demonstra claramente que a verdadeira retidão se manifesta na aplicação prática da justiça e da bondade. Aquele que age de maneira correta segundo os Mishpatim não apenas evita a condenação, mas também contribui para um mundo mais harmonioso.
Rambam (Maimônides), no Mishneh Torá, escreve que os mandamentos racionais, os Mishpatim são necessários para que o mundo funcione com ordem e harmonia. Ele argumenta que mesmo sem uma revelação divina, qualquer sociedade bem estruturada naturalmente adotaria leis contra roubo, assassinato e suborno.
Mishneh Torá, Hilchot Melachim 9:1 "Se os povos do mundo não seguirem as leis básicas de justiça, suas sociedades se corrompem e se autodestruirão, pois um governo sem juízo e retidão não pode subsistir." Ou seja, os Mishpatim não são uma questão religiosa, mas sim de sobrevivência humana.
2. O Quebrar dos Mishpatim traz Destruição
Os profetas do Eterno sempre alertaram que ignorar os Mishpatim levaria à destruição da sociedade. Diferente dos princípios que conectam o homem ao Eterno por meio de práticas de obediência às classes de mandamentos anteriores aos Mishpatim, esses princípios mantêm a ordem moral e impedem que a corrupção e a injustiça destruam o povo, conforme já mencionamos.
O Eterno, por meio do profeta Yeshayahu/Isaías demonstra o entendimento de que fazer o bem é obedecer aos mandamentos da Torah e praticar o que é reto é uma especificação clara dos Mishpatim, pois ele dá exemplos ligados a essa classe de mandamentos, veja:
Aprendei a fazer o bem; praticai o que é reto; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas. Is 1:17
Quando Yisrael abandonou os Mishpatim permitindo suborno, opressão e exploração dos mais fracos, os profetas anunciaram que isso levaria ao exílio e à destruição. Não porque o Eterno fosse puní-los arbitrariamente, mas porque um povo que abandona a justiça derrota a si mesmo.
Assim diz o Eterno: Praticai o juízo e a justiça, livrai o espoliado das mãos do opressor; não oprimas o estrangeiro, nem o órfão, nem a viúva, nem derrameis sangue inocente neste lugar. Jr 22:3
Olhando para esse verso e os anteriores, vemos o Eterno através do profeta Yirmeyahu/Jeremias leva uma repreensão ao povo de Yehudah, pois estavam distantes dos mandamentos do Eterno, o profeta deixa claro que os Mishpatim são as bases para uma sociedade funcional e justa. Quando essas leis são quebradas, os mais fracos são explorados, ganância cresce e, fatalmente, surge o colapso social.
O profeta Amós também denuncia que quando os Mishpatim são ignorados, a sociedade se torna corrupta e os pobres são explorados pelos poderosos. Mas há um caminho de restauração, fazer teshuvah, ou seja, arrependimento, buscar o bem, praticar a justiça e garantir que o direito dos necessitados seja defendido.
Porque sei que são muitas as vossas transgressões, e enormes os vossos pecados; Odiai o mal, e amai o bem, e estabelecei o juízo na porta da cidade; talvez o Eterno tenha misericórdia do remanescente de Yisrael. Amós 5:12-15
O Ramban explica que os Mishpatim são mandamentos que até mesmo um homem sem conhecimento da Torá pode compreender e praticar. Diferentemente dos Chukim (estatutos que não têm uma lógica aparente, como as restrições alimentares ou as leis de pureza), os Mishpatim são compreensíveis e fundamentais para qualquer sociedade.
No seu comentário sobre Shemot 21:1, Rambam diz: Os Mishpatim são leis que a mente humana naturalmente reconhece como justas. Mesmo sem uma ordem divina explícita, a sociedade não pode existir sem elas. Diferente dos Chukim, que exigem a submissão à vontade do Eterno sem explicação racional, os Mishpatim são compreendidos até pelas sadias das nações. O citado rabino reforça que essas leis são universais, ou seja, não é apenas para Yisrael, mas para toda a humanidade.
O Talmud Bavli, no tratado Avodá Zará 4b, ensina que quando os governantes abandonam a justiça a destruição é inevitável. Observe:
Quando há corrupção na justiça, o castigo não vem apenas sobre os juízes, mas sobre toda a nação. Pois quando os justos se calam e não corrigem os caminhos, são considerados considerados considerados particularmente com os perversos.
Isso ecoa os ensinos dos profetas, como Yeshayahu e Amós, como vimos acima, que anunciam que a injustiça social leva ao colapso nacional.
3. A justiça como Base da Vida
Conforme estamos vendo, e pudemos perceber também pelas palavras dos profetas e de rabinos, os Mishpatim não foram dados para trazer méritos ou recompensas a quem os observar, mas para evitar que a humanidade se destrua pela sua própria ganância e corrupção. Eles garantem que uma sociedade permaneça justa, equilibrada e digna para todos. Conforme vimos, os profetas alertaram repetidamente que a injustiça leva à ruína, e Yeshua ao ensinar sobre justiça e retidão, reforçou o papel papel dos Mishpatim como parte essencial da Torá. Ele condenou fortemente aqueles que distorciam a justiça para benefício próprio.
Ai de vós, escribas e perushim, hipócritas! Porque dais o dízimo da mente, do endro e do cominho, mas tendes negligenciado os aspectos mais importantes da Torá: o juízo, a misericórdia e a confiança! Estas coisas devíeis fazer, sem omitir essas. Mt 23:33
Também os emissários de Yeshua reforçaram essa mensagem, vejamos o que eles disseram.
Se vocês de fato mantiverem o objetivo da Torá do Reino, em conformidade com a passagem que diz: “Ame o seu próximo como a si mesmo”, estarão agindo bem. Yaakov/Tiago 2:8
Porque os olhos do Eterno estão sobre os justos, e os seus ouvidos atentos às suas orações; mas o rosto do Eterno é contra os que fazem o mal. 1Pe 3:12
A justiça não é uma opção, mas uma necessidade. Conforme viemos repetindo, os Mishpatim são universais e aplicáveis a toda a humanidade, pois garantem que cada ser humano seja capaz de obedecer e permitir uma sociedade mais equilibrada. Shaul/Paulo em suas cartas também revelou que a justiça e a retidão são esperadas até mesmo daqueles que não receberam diretamente a Torá, pois os princípios morais dos Mishpatim estão gravados na consciência humana. Observe o que ele disse em sua carta aos Romanos.
Porque, quando os gentios, que não têm a Torá, fazem naturalmente as coisas que são da Torá, não tendo eles a Torá, para si mesmos são lei; os quais mostram a obra da Torá escrita em seus corações, testificando adicionalmente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os. Rm 2:14-15
Aqui, Rav Shaul ensina que os Mishpatim são universais e que mesmo os povos que não receberam a Torá de forma direta conseguem compreender a importância da justiça, da honestidade e da equidade. Isso reforça que esses mandamentos não são apenas instruções para Yisrael, mas fundamentos essenciais para toda a humanidade. E é por isso, que muitas sociedade atuais se utilizam de muitos desses mandamentos em suas bases de leis cíveis.
Assim, tanto os profetas quanto os emissários de Yeshua ensinaram que praticar os Mishpatim não é uma questão de escolha, mas uma necessidade para que a civilização continue a se desenvolver sem correr o risco de se destruir.
Concluindo nosso estudo, percebemos que os Mishpatim não são apenas um conjunto de leis para Yisrael, mas um modelo de justiça para toda a humanidade. Por isso, eles não prometem recompensas espirituais, ou advindas de sua obediência, como os Edut e Chukim, mas garantem que o homem não se destruirá pela sua própria corrupção e ganância. Quando um povo abandona os Mishpatim, ele acaba caindo na violência, na opressão e na desordem. Mas quando a justiça, a honestidade e o respeito ao próximo são aplicados, a sociedade prospera e o Eterno se agrada.
Que possamos aprender com a Torah, com os profetas e com os emissários de Yeshua a viver uma vida de retidão, justiça e misericórdia, pois como foi dito pelo profeta Mikhá/Miqueias:
Ele te declarou, ó homem, o que é bom e o que o Eterno pede de ti: que pratiques a justiça, ames a misericórdia e andes humildemente com o teu Elohim. Mikhá 6:8
Andemos nos caminhos da justiça do Eterno, sem esperar recompensa, mas por amor.
Que o Eterno os abençoe e até o próximo estudo!
Marcelo Santos da Silva (Marcelo Peregrino Silva – Moshê Ben Yosef)
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