Estudos da Torá
Parashá nº 35 – Nassô (Faça)
Bamidbar/Números 4:21-7:89
Haftará (separação) Jz 13:2-25 e
B’rit Hadashah (Aliança Renovada) Jo 7:53-8:11; Atos 21:17-32
Tema: Equilibrando os nossos desejos: o voto de Nazir.
Sejam muito bem-vindos a mais um momento de aprendizado e reflexão profunda nas Palavras do Eterno! No estudo dessa semana, convido você a fazer uma pausa, respirar fundo e olhar com sinceridade para dentro de si: Quem governa a sua vida, você ou os seus desejos?
Vivemos em uma época em que somos bombardeados a todo instante por estímulos, desejos e vontades. O mundo e o sistema religioso nos diz: “siga o seu coração”, “viva sem limites”, “aproveite tudo ao máximo”, “não se preocupe estamos na graça”, “a lei foi cravada na cruz”. Mas será que esse é o caminho que o Eterno quer para nós?
Neste estudo exploraremos um dos temas mais intrigantes e desafiadores das Escrituras: o voto de Nazir. É uma escolha radical de se afastar, temporariamente, de prazeres lícitos, para se consagrar totalmente ao Eterno. E perceberá também que esse voto não é apenas sobre vinho ou cabelo comprido… É, na verdade, sobre equilibrar os nossos desejos, dominar o que muitas vezes parece indomável dentro de nós, e encontrar um caminho de liberdade verdadeira.
Vamos viajar juntos pelo Sefer Bamidbar, mas também pelas palavras dos profetas, dos ketuvim (escritos) e até dos escritos nazarenos, para descobrir a mensagem poderosa constante nesse antigo voto, que permanece viva e atual para cada um de nós! Não importa quem você é ou onde esteja na sua caminhada. Este estudo é para todos que desejam crescer, amadurecer e, principalmente, servir ao Eterno com um coração puro e equilibrado. Prepare o seu coração… e venha comigo!
RESUMO DA PARASHÁ DA SEMANA
Esta é a segunda porção do Sefer Bamidbar, chamada Nassô. Seguindo as instruções do Eterno, essa porção aprofunda o papel das famílias de Levi, leis de pureza no acampamento, o voto de nezirut e a bênção sacerdotal, entre outros temas.
Depois da contagem dos filhos de Kehat, a Parashá continua com a contagem dos filhos de Gershon e Merari, outros clãs da tribo de Levi. O Eterno ordena que também estes sejam contados, de 30 a 50 anos, pois realizariam o serviço do Mishkan. As famílias de Gershon seriam responsáveis pelas cortinas, tapeçarias e coberturas do Mishkan. Enquanto as de Merari foram encarregados das tábuas, travessões, colunas e bases, ou seja, toda a estrutura física do Mishkan. Cada família de Levi tinha uma missão específica e intransferível. Assim, serviam ao Eterno com ordem e reverência.
O Eterno ordena a remoção do acampamento de qualquer pessoa impura: seja Metzora (impureza por tzaraat), Zav (fluxos corporais impuros) e Temei Nefesh (impureza por contato com mortos). O acampamento, onde a Presença do Eterno habitava, deveria permanecer puro.
Aquele que pecasse contra o próximo deveria confessar a sua transgressão, restituir o valor do prejuízo mais um quinto e caso não houvesse parente próximo para a restituição, o bem seria entregue ao sacerdote. E aqui se destaca a importância da teshuvá, que significa arrependimento, retorno e reparação diante do Eterno e do próximo.
Esta porção trata da mulher suspeita de traição, a chamada sota. O homem que suspeitasse da infidelidade de sua esposa deveria levá-la ao sacerdote. Ela então passava por um ritual:
- Era apresentada ao sacerdote;
- Ingeria águas amargas contendo palavras escritas de maldição;
- Se fosse culpada, sofreria consequências físicas; se inocente, seria abençoada com fertilidade.
Este mandamento revela a seriedade da santidade do casamento, mas também a misericórdia do Eterno, que permitia provar a inocência da mulher e restaurar a confiança.
Homem ou mulher que desejasse se consagrar ao Eterno podia fazer o voto de Nazir, comprometendo-se com três restrições principais:
- Não beber vinho ou qualquer derivado da uva;
- Não cortar o cabelo;
- Não se tornar impuro por contato com mortos, nem mesmo por parentes próximos.
O Nazir buscava se separar das vaidades e prazeres para se dedicar ao Eterno. Este voto revela que a consagração ao Eterno não é exclusiva dos levitas ou sacerdotes, mas aberta a todo aquele que, com firme confiança, deseja se aproximar Dele.
O Eterno instrui a Aharon e seus filhos a abençoar o povo de Yisrael com as palavras da Birkat Kohanim. Esta bênção expressa o desejo de proteção, graça, e paz do Eterno sobre o Seu povo.
A porção finaliza com o dia em que Moshe completou a montagem do Mishkan, e os líderes das tribos levando oferendas voluntárias. A repetição detalhada de cada oferta demonstra que, embora iguais, cada presente era considerado especial diante do Eterno, pois expressava a dedicação e amor de cada líder e tribo.
ESTUDO DO TEXTO DA PARASHÁ
Observe que desde o princípio, o ser humano carrega dentro de si uma tensão permanente: o chamado do Eterno à santidade e a atração natural pelos desejos materiais e carnais. Conforme está escrito na Torá:
Pois a inclinação do coração do homem é má desde a sua juventude. Bereshit/Gn 8:21.
O voto de Nazir, conforme instruído em Bamidbar 6, surge como um modelo extraordinário desse enfrentamento interior. O Nazir não é um asceta que despreza o mundo, mas alguém que, reconhecendo a força dos seus desejos, decide consagrar-se por um tempo determinado, afastando-se dos prazeres lícitos para intensificar sua aproximação ao Eterno. Talvez você pergunte o que é um “asceta”? Pois bem, segundo o dicionário, ascetismo é um estilo de vida caracterizado pela abstinência dos prazeres mundanos por meio da autodisciplina, da pobreza autoimposta e da vida simples, muitas vezes com o propósito de perseguir objetivos espirituais. O que, conforme já mencionei, não é o caso do Nazir.
Hoje, ao estudarmos profundamente este voto, aprenderemos sobre o equilíbrio necessário para não sermos escravos dos desejos, mas também não desprezarmos a criação que o Eterno nos deu. Como está escrito:
Sejam santos, pois Eu, HaShem, sou santo. Vayicrá/Lv 19:2.
Veremos que o caminho correto é com equilíbrio, consagração e vigilância constante.
1. O Nazir: Separação para a aproximação
A separação dos prazeres materiais
De acordo com o que lemos na Torá, vemos que o Nazir se separa, sobretudo, do vinho e de tudo o que provém da uva, não só da bebida, mas até das uvas-passas ou sementes, conforme ordenado:
De tudo que se faz da vinha do vinho não comerá… Bamidbar/Nm 6:4.
Como bem exposto no texto que estamos estudando, os sábios entenderam que a ordem do Eterno para o afastamento de todos os derivados da uva é uma cerca de proteção, evitando que, por descuido, o Nazir venha a transgredir. Isso ensina um princípio poderoso: quem deseja manter-se puro diante do Eterno, deve colocar distância entre si e aquilo que pode corrompê-lo, como está escrito:
Fujam do mal e façam o bem... Tehilim/Sl 34:14.
O vinho ou outras bebidas enebriantes, símbolo de alegria e celebração, também podem ser portas para a perda de autocontrole. O Nazir, ao abster-se, busca manter a mente clara e o coração vigilante.
Deixar de lado a vaidade e o ego
A segunda característica marcante do Nazir é não cortar os cabelos durante o período do voto:
Todos os dias do voto de sua consagração, navalha não passará sobre sua cabeça... Bamidbar/Nm 6:5.
Como destacou Seforno, um sábio do povo de Yisrael, ao deixar o cabelo crescer, o Nazir abdica da preocupação estética, da vaidade pessoal, renunciando ao desejo de agradar aos olhos humanos para se voltar totalmente ao Eterno. Este ato silencioso e visível de não se embelezar demonstra um coração comprometido com valores mais elevados que a aparência. Como está escrito:
O homem vê o que está diante dos olhos, mas HaShem vê o coração Shmuel Alef/1Sm 16:7
Pureza extrema: nem mesmo pelos mortos
O Nazir também não pode se impurificar por mortos, nem por seus parentes mais próximos, conforme lemos em Bamidbar/Nm 6:7. Aqui, há um rompimento radical: até mesmo o instinto natural de chorar e cuidar dos mortos é colocado em segundo plano diante da sua consagração ao Eterno.
Este é o mesmo padrão do Cohen Gadol, como expõe o Midrash: a consagração total exige um grau de pureza acima do comum. Assim, aprendemos que há momentos em que servir ao Eterno requer deixar de lado até mesmo os vínculos mais fortes, como disse o messias:
Quem seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou filha mais que a Mim, não é digno de Mim. Matityahu/Mt 10:37
Percebam que como homem, enviado pelo Eterno para anunciar o Reino, Yeshua falava não por si mesmo, mas como um navi — um profeta, um mensageiro que representava a vontade do Eterno, conforme está escrito:
Porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar. Devarim/Dt 18:18
Portanto, quando Yeshua diz que é necessário amá-lo mais que aos próprios pais ou filhos, ele está se colocando no papel daquele que representa a Torá e as instruções do Eterno, não que ele deveria ser adorado. O que ele está dizendo é:
Se você valoriza mais os laços humanos do que a obediência à verdade que eu ensino — à vontade do Eterno — então você não está pronto para andar neste caminho. Não se trata de substituir o amor ao Eterno pelo amor a Yeshua, jamais! Pois está escrito claramente:
Amarás a HaShem, teu Elohim, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Devarim/Dt 6:5
Este é o maior de todos os mandamentos! Mas amar a Yeshua, como ele mesmo ensinava, significava seguir o caminho da obediência ao Eterno com fidelidade, mesmo que isso custasse rupturas familiares, rejeição ou perseguição. Ele estava chamando o povo a colocar o Eterno acima de tudo, inclusive dos laços mais queridos.
Lembre-se que o contexto dessa fala é o envio dos emissários, e ele advertia que seguir o Eterno com sinceridade causaria divisão até mesmo dentro das famílias, como pode ser lido em Matityahu/Mt 10:34-36, como também já tinha sido profetizado:
O filho despreza o pai, a filha se levanta contra sua mãe a nora, contra a sogra; os inimigos do homem são os da sua própria casa. Mikhah/Mq 7:6.
Portanto, Yeshua não estava pedindo adoração pessoal, mas dizendo: “Se vocês colocarem qualquer pessoa — por mais amada que seja — acima da verdade que ensino, vocês não estão prontos para caminhar comigo neste chamado de total consagração ao Eterno.”
Servir à HaShem é uma chamada à fidelidade radical ao Eterno, e Yeshua, como verdadeiro servo, estava dizendo: sigam-me, porque eu sigo o Eterno com todo o coração. Era isso o que um Nazir fazia durante o tempo de seu nazireado, o tempo de seu voto. E é o que devemos fazer em nossas vidas.
2. O Nazir e o equilíbrio dos desejos: entre abstinência e serviço
Não é um desprezo ao mundo, mas um caminho de equilíbrio
O Nazir não se afasta do vinho porque este seja mau em si mesmo, pois o vinho é citado como bênção:
O vinho que alegra o coração do homem. Tehilim/Sl 104:15
A separação ou o voto é temporário e pedagógico: um exercício para demonstrar que o homem não deve ser dominado pelos prazeres, mas governá-los. Assim também disse Shelomo:
Não neguei a meus olhos nenhum desejo. Mantive-me no prazer, pois senti satisfação por todo o meu trabalho, e essa foi minha recompensa por tudo. Então olhei para a realização das minhas mãos e para o trabalho que executei; e vi que ele era totalmente desprovido de sentido, sustentar-me de vento, e que não havia obtido nada debaixo do sol. Kohelet/Ec 2:10-11.
Entender o voto do Nazir nos ensina que o domínio dos desejos não exige o desprezo do mundo, mas a capacidade de, por amor ao Eterno, colocar limites quando necessário.
O Nazir como figura de autocontrole e inspiração profética
O Nazir é a representação do ideal profético de domínio próprio, como exemplificado na vida de Shimshon, em Shoftim/Jz 13. Desde o ventre de sua mãe, Shimshon foi separado como Nazir, um homem consagrado, cuja força vinha não dos seus músculos, mas da sua dedicação ao Eterno. Todavia, seu fim trágico mostra que não basta o voto externo: é necessário que o coração esteja alinhado com a consagração. Ele falhou ao romper os limites de seu voto, e isso nos mostra a necessidade de coerência interna e não apenas forma externa. Como disse o profeta Yirmeyahu:
Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas… Yirmeyahu/Jr 17:9.
Assim, o Nazir é chamado não apenas a práticas externas, nem ao legalismo, mas a um profundo exame interior, buscando pureza de intenções e não apenas aparências.
A humildade no término do voto: expiação obrigatória
É interessante notar que, ao concluir seu voto, o Nazir deveria trazer um sacrifício pelo pecado (chatat), conforme lemos em Bamidbar 6:13. Por quê? Os sábios do nosso povo explicam: pelo fato de ter-se privado das bênçãos que o Eterno deu ao homem, como o vinho, símbolo de alegria e festividade, por exemplo. Esta obrigação final mostra que a abstinência não é o ideal permanente, mas um instrumento pedagógico. Assim também nos ensinou Kohelet:
Por isso, não seja excessivamente justo nem sábio; por que frustrar a si mesmo? Kohelet Ec 7:16
O serviço ao Eterno requer equilíbrio, ou seja, nem entrega desenfreada aos prazeres, nem mortificação extrema.
3. Paralelos com os Profetas e os Escritos Nazarenos
O chamado profético à separação
O voto de Nazir ecoa o chamado dos profetas ao povo para separar-se da idolatria e da corrupção moral:
Afastem-se, saiam daqui! Não toquem em coisas impuras! Saiam dela e sejam puros, vocês, que transportam os utensílios do Eterno. Yeshayahu 52:11
A separação não é um fim em si mesmo, mas um meio para manter-se puro para o serviço ao Eterno. O Nazir é um modelo desse chamado: separa-se para aproximar-se de HaShem.
O exemplo de Yeshua: domínio próprio e santificação
Yeshua, embora nunca tenha feito o voto de Nazir, viveu como um homem separado para o Eterno. Esse afastamento voluntário é semelhante ao espírito do Nazir: não uma rejeição do vinho, mas um gesto de consagração, aguardando o tempo apropriado. Yeshua também ensinou:
Quem quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua estaca e siga-me. Matityahu/Mt 16:24
Este chamado à negação dos desejos carnais é o mesmo que inspira o voto de Nazir.
O fruto do autocontrole: uma vida de paz
Lemos em Mishlei:
Melhor é o homem paciente do que o valente, e o que domina o seu espírito do que o que conquista uma cidade. Mishlei/Pv 16:32
O Nazir representa esta conquista interior: domínio próprio, que é também um dos frutos da firme confiança, como reforçado nos escritos nazarenos:
Mas o fruto da firme confiança é: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, confiança, mansidão e domínio próprio. Galatim/Gl 5:22-23
4. Lições práticas: como equilibrar nossos desejos hoje
Reconhecer os próprios limites
O Nazir não assume seu voto por orgulho, mas porque reconhece a necessidade de estabelecer limites para não ser dominado por suas paixões. Assim também devemos proceder: reconhecer nossas fraquezas e, por amor ao Eterno, buscar equilibrar nossos desejos,
Usar a separação como um meio, não como um fim
O afastamento dos prazeres deve ter um propósito: aproximar-se do Eterno, purificar-se e crescer em domínio próprio. Não se trata de negar o mundo, mas de usá-lo com sabedoria e moderação. Não é se tornar legalista, uma pessoa que segue centenas de leis de cerca ou halachot para parecer santo. É ser verdadeiramente santo, obedecendo à Torá do Eterno.
Buscar sempre a santidade equilibrada
Devemos sempre lembra o que o Eterno disse ao seu povo:
...Sejam santos, pois eu, o Eterno, o Elohim de vocês, sou santo. Vayicrá 19:2
A santidade não exige um voto de Nazir, mas requer o mesmo espírito, ou seja, os mesmos princípios: domínio dos desejos, pureza de intenções e serviço dedicado. Assim como o Nazir se afasta do vinho, podemos hoje escolher períodos para nos afastar do excesso das redes sociais, comidas específicas ou hábitos que estejam nos afastando da presença do Eterno.
Concluindo nosso estudo, vimos que entender os princípios do voto de Nazir é um convite atemporal para reconhecer que a vida diante do Eterno requer equilíbrio, domínio próprio e, às vezes, afastamento temporário dos prazeres legítimos para que possamos crescer em santificação. Assim como o Nazir, somos chamados a ser "kadosh", isto é, santos, separados, não por desprezar o mundo, mas para que, purificados, possamos servir melhor ao Eterno, amar ao próximo e viver com sabedoria, sendo luz para os remanescentes perdidos da Casa de Yisrael e para todos que desejam se aproximar do Eterno.
Que o Eterno os abençoe e até o próximo estudo!
Moshê Ben Yosef
Nenhum comentário:
Postar um comentário